O que
aconteceu com a mãe de Jesus no fim de sua vida: ela teve uma morte corporal
como a nossa?
Desde
remota época, os autores cristãos julgaram que Maria Santíssima teve um fim de
vida singular; em seus sermões e em escritos apócrifos professaram a
glorificação corporal de Maria, logo após a sua morte na Terra.
Eis
uma das versões mais expressivas: quando se aproximava o fim da vida terrestre
de Maria, houve uma grande agitação na Igreja. Maria soube de antemão que
estava para deixar este mundo. Os apóstolos também foram previamente avisados,
de modo que se reuniram em Jerusalém. Quando lá chegaram, Maria já tinha
morrido; abriram o seu sepulcro, que encontraram vazio. Cristo viera buscar a
alma de sua Mãe Santíssima, que a arte bizantina representa sob a forma de uma
criança enfaixada. A seguir, o corpo da Santa Mãe de Deus, gloriosamente
ressuscitado, também foi assumido e levado a reunir-se à respectiva alma no
céu.
Glorificação
em corpo e alma
Esses
escritos foram fortalecendo a convicção dos cristãos de que Maria fora
glorificada, em corpo e alma, logo depois da sua morte. A partir do século XI é
comum professar a Assunção gloriosa de Maria. Os teólogos procuraram as bases
bíblicas para fundamentar tal crença; eis o que apontam:
a_mulher_apocalipse1.
Maria é dita pelo Anjo Gabriel “cheia de graça”. Esse é quase o nome próprio da
Virgem – o Anjo não a chama “Maria” (cf. Lc 1,28). Isso quer dizer que Maria
nunca esteve sujeito ao império do pecado. Em consequência, não podia ficar sob
o domínio da morte, que entrou no mundo através do pecado (cf. Rm 5,12). Sendo
assim, é lógico dizer que ela não conheceu a deterioração da sepultura, sendo
glorificada não somente em sua alma, mas também em seu corpo. Como se vê, nem a
tradição nem os teólogos recusam a hipótese de Maria ter morrido; ao contrário,
admitem-na. Se Cristo, o Santo de Deus, quis morrer, Maria também terá morrido.
2.
A carne da mãe e a carne do filho são uma só carne. Ora, Maria é a Mãe de
Jesus, que foi glorificado em corpo e alma após ter morrido. Consequentemente,
deve ter tocado a Maria a mesma sorte gloriosa que tocou a seu Divino Filho.
Através
dos séculos, a crença na Assunção corporal de Maria tornou-se tão comum e cara
aos cristãos que muitas pessoas trazem o nome de Maria da Glória; muitas
igrejas e instituições são dedicas à Assunção de Maria.
Na
primeira metade do século XX, os fiéis católicos, tendo à frente seus bispos,
pediram à Santa Sé a definição do dogma da Assunção de Maria. O Papa Pio XII
mandou estudar o assunto e resolveu proclamar o dogma em 1º de novembro de
1950.
A
justificativa para essa definição, de uma verdade de fé que não era contestada,
foi a seguinte: numa época em que se vilipendia o corpo humano mediante
genocídios, campos de concentração, degradação moral, afirmar a Assunção
corporal de Maria é lembrar ao mundo a dignidade do corpo humano, chamado a ser
templo de Espírito Santo e a ressuscitar um dia, participando da glória do céu.
É
de notar que Pio XII limitou-se a definir que “a imaculada sempre Virgem Maria,
Mãe de Deus, encerrado o curso de sua vida terrestre, foi assumida em corpo e
alma à glória celeste” (Constituição Munificentissimus). Pio XII não se referiu
à morte de Maria, mas usou uma expressão bem ponderada: “Encerrado o curso de
vida terrestre, foi assumida (…)”. Assim, o Papa não quis dirimir a questão:
Maria Santíssima passou pela morte corporal ou não?
Morte
e sepulcro em Jerusalém
Verdade
é que a tradição mais antiga afirma que Maria morreu e aponta o seu sepulcro em
Jerusalém, assim como o lugar em que terá morrido. Todavia autores recentes
julgam que a Virgem Santíssima foi isenta da morte, de modo que teria passado
diretamente da vida terrestre para a glória. Esta sentença é aceitável, mas não
é a mais provável; é de crer que Maria tenha imitado seu Divino Filho também ao
experimentar a morte.
Há
quem pergunte: onde estão os corpos gloriosos de Jesus e Maria, se ambos já
foram ressuscitados e glorificados? Em resposta, devemos dizer que não é
necessário admitir um lugar ou um espaço no qual estejam contidos esses dois
corpos; a filosofia ensina que um corpo é verdadeiro corpo, com suas dimensões
definidas, mesmo que não esteja compreendido entre paredes ou num lugar
dimensional.
Maria
é, de modo especial, o modelo da Igreja. O que esta só conseguirá plenamente
após a segunda vinda de Cristo, Maria o obteve logo na primeira vinda do
Senhor. Por isso, o Concílio Vaticano II quis assim se pronunciar:
–
“Para que mais plenamente estivesse conforme a seu Filho, Senhor dos senhores
(cf. Ap 19,16) e vencedor do pecado e da morte, Maria foi exaltada pelo Senhor
como Rainha do universo” (Lumen Gentium, nº 59);
–
“A Mãe de Jesus, tal como está nos céus já glorificada em corpo e alma, é a imagem
e o começo da consumação da Igreja, que só estará plena no futuro. Assim também
brilha aqui na Terra como sinal de esperança segura e de conforto para o povo
de Deus em peregrinação, até que chegue o dia do Senhor (cf. 2Pd 3,10)” (Lumen
Gentium, nº68).
Em
nossos dias, existe a tendência a empalidecer o significado da glorificação
corporal de Maria, mediante a tese segundo a qual a ressurreição de todo e
qualquer indivíduo se dá logo após a morte; o caso de Maria seria um entre
outros pares, sem relevo especial para a Virgem Maria.
Ora
essa nova concepção supõe uma antropologia errônea; supõe, sim, que não haja
distinção entre corpo material e alma espiritual no homem, de modo que, quando
este morre, morre por completo, não ficando a alma imortal a sobreviver sem
corpo. Por isso, tal premissa antropológica leva a concluir que a ressurreição
deve ocorrer logo após a morte do indivíduo, para que não haja um hiato entre a
respectiva morte a ressurreição.
Na
verdade, porém, corpo e alma distinguem-se no homem, como se distinguem entre
si matéria e espírito; o corpo está sujeito à dissolução no sepulcro, ao passo
que a alma, sendo espiritual, é por si mesma dotada de imortalidade; ela
subsiste sem corpo até o dia da segunda vinda de Cristo, quando se dará a
ressurreição da carne e a recomposição do ser humano psicossomático.
A
fim de evitar a propagação de falsas concepções, a Congregação para a Doutrina
da Fé emitiu uma Instrução em 17 de maio de 1979, em que declara: “A Igreja, em
conformidade com a Sagrada Escritura, espera a gloriosa manifestação do Nosso
Senhor Jesus Cristo, que ela considera como distinta e diferida em relação
àquela condição própria do homem, imediatamente após a morte. A Igreja, ao
expor a sua doutrina sobre a sorte do homem após a morte, exclui qualquer
explicação que tire o sentido à Assunção de Nossa Senhora naquilo que ela tem
de único, ou seja, o fato de ser a glorificação corporal da Virgem Santíssima
uma antecipação da glorificação que está destinada a todos os outros eleitos” (nºs
5 e 6);
Os
fundamentos bíblicos para a ressurreição de todos os homens (executada a Virgem
Santíssima) no fim dos tempos, são os seguintes:
–
Jo 6,44: “Eu o ressuscitarei no último dia”, diz o Senhor;
–
1Cor 15,22s: “Como em Adão todos morrem, assim em Cristo todos serão
vivificados. Cada qual, porém, na sua própria categoria: como primícias,
Cristo; depois, os que pertencem a Cristo, por ocasião de sua vinda (parusia)”;
–
1Ts 4,16s: “Pois o Senhor mesmo, à voz do arcanjo e ao som da trombeta de Deus,
descerá do céu. E então ressuscitarão, em primeiro lugar, os que morreram em
Cristo; depois, nós, os vivos, que ainda estivermos em vida, seremos
arrebatados, junto com eles, sobre as nuvens, ao encontro do Senhor, nos ares”.
Eis
o que podemos dizer à guisa de aprofundamento da prerrogativa mariana da
Assunção corporal. Em suma, ela decorre da Maternidade Divina, que é o
privilégio básico de Maria Santíssima. Com efeito, porque devia ser Mãe de Deus
feito homem, Maria foi preservada de todo pecado, até mesmo do pecado original
(por aplicação antecipada dos méritos de Cristo). E, se foi isenta de todo
pecado, Maria não podia ficar sob o império da morte no sepulcro, já que a
morte foi introduzida no mundo pelo pecado (cf. Rm 5,12).
D. Estêvão Tavares Bettencourt, O.S.B