O
século XX é considerado o século em que a Igreja Católica mais teve mártires.
Leigos e leigas, ministros ordenados, religiosas e religiosos foram vítimas de
todos os tipos de totalitarismo e de fanatismo, de esquerda e de direita, nas
mais variadas partes do mundo. O mesmo pode ser dito de cristãos de outras
comunidades eclesiais.
Uma
boa parte deles encontrou o martírio pelas mãos do nazifascismo, durante a II
Guerra Mundial. O campo de concentração de Dachau, por exemplo, mantinha um
bloco de prisioneiros reservado apenas para padres e ministros de outras
confissões. Mais de 100 católicos martirizados no período já foram beatificados
ou canonizados. Conheça a história de alguns deles:
São
Maximiliano Kolbe (1894 – 1941)
Era
franciscano conventual quando foi levado para o campo de concentração de
Auschwitz. O Caso é particularmente interessante, pois Fr. Maximiliano não
morreu diretamente por ódio à fé, mas porque se ofereceu para morrer em lugar
de um pai de família, terminando assim os seus dias no Bunker (subterrâneo) da
fome. O caso foi examinado pelos peritos da Igreja: verificaram que a morte de
Frei Maximiliano fora consequência da sua caridade e não da sua fé; por isto
Paulo VI o beatificou na qualidade de confessor da fé ou zeloso pastor, não de
mártir; havia, sim, praticado a virtude em grau heroico e, em consequência,
morrera. A causa continuou a ser examinada sob João Paulo II, de modo a chegar
à seguinte conclusão: Frei Maximiliano, se não morreu por causa da fé, morreu
por causa de uma virtude (a caridade) associada à fé; por isto seu caso entra
na definição de mártir e, como mártir, foi canonizado em 1982. O fato se
justificava claramente: sim, o martírio é a suprema prova de amor a Deus,… amor
este que Frei Maximiliano vivenciou de maneira perfeita, impelido pela fé,
quando quis tomar o lugar de um pai de família condenado à morte; doando sua
vida, tornou-se mártir da caridade, ou seja, testemunha do absoluto amor de
Cristo.
Teresio
Olivelli (1916-1945)
Olivelli
era, em alguns aspectos, o típico jovem católico engajado da Itália do começo
do século XX: frequentava a paróquia, mantinha algumas práticas de oração e era
também membro da Ação Católica. Tendo se formado em Direito aos 22 anos pela
Universidade de Pavia, ele inicialmente acreditava que o fascismo era
compatível com os valores cristãos – tanto que chegou ao cargo de secretário do
Instituto de Cultura Fascista e colaborava com artigos para a revista
Civilização Fascista. Ele colocou essa conciliação em dúvida, porém, devido a
duas experiências que teve: as duas viagens oficiais que fez à Alemanha e o seu
alistamento – voluntário – nas fileiras do exército, para, segundo ele,
“fundir-se na massa, em solidariedade com o povo que, sem ter decidido por
isso, combate e sofre”. Olivelli combateu na Rússia entre 1941 e 1943 e na
volta foi nomeado reitor do renomado Collegio Ghislieri. Já em setembro de
1943, porém, ele se recusou a jurar fidelidade à nova República Social
Italiana, Estado criado a partir da invasão alemã à península.
Como
resultado, foi preso e deportado para Innsbruck, na Áustria. Conseguiu fugir e
chegou a Bréscia, onde se uniu à resistência católica antifascista, fundando um
jornal clandestino chamado Il Ribelle – “O Rebelde”. Em abril de 1944, foi
preso novamente, em Milão. Sofreu tortura no Cárcere de São Vítor e depois
passou pelos campos de concentração de Fossoli, Bolzano e Flossenbürg.
Procurava consolar os colegas prisioneiros, cuidava dos mais fracos, ficava sem
comer para dar o seu alimento a quem precisasse mais, assistia os que tinham
dores e feridas e organizava reuniões clandestinas de leitura do Evangelho.
Sofria represálias físicas por seus gestos de caridade – em dezembro de 1944,
seu corpo já estava cheio de feridas. No dia 31, interpôs-se entre um jovem
prisioneiro ucraniano e um guarda que iria agredi-lo, recebendo um forte chute
no estômago. Foi castigado ainda com 25 golpes e permaneceu as duas semanas seguintes
convalescendo – morreu em 17 de janeiro. Foi beatificado em 2018.
Edith
Stein (1891-1942)
Edith
nasceu em uma família judaica, em um lar alemão, embora hoje sua cidade natal,
Breslau, esteja na Polônia. Deixou a fé
judaica ainda antes de ir para a universidade. Foi uma das primeiras mulheres a
se doutorar em Filosofia na Alemanha, o que aconteceu em 1916, sob orientação
de Edmund Husserl, de quem se tornou assistente. Não alcançou a livre-docência
justamente por ser mulher, mas em 1932 começou a lecionar em Münster. A essa
altura, ela já tinha abraçado a fé católica. A experiência docente, porém, não
durou muito, porque logo a ascensão do nazismo a obrigou a renunciar às aulas.
Em 1933, quando os primeiros sinais da violência contra os judeus começaram a
despontar, escreveu uma carta ao Papa Pio XI.
“Durante
anos, os chefes nazistas pregaram o ódio […]. Depois de ter tomado o poder
governamental em suas mãos e de ter armado os seus aliados – entre os quais
notáveis elementos criminosos –, já aparecem os resultados dessa semeadura de
ódio. […] Tudo o que aconteceu e que ainda acontece diariamente vem de um
regime que se diz ‘cristão’”, escreveu ela. No mesmo ano, ingressou no Carmelo
de colônia, com o nome de Teresa Benedita da Cruz, professando os votos solenes
em 1938 – mesmo ano em que a perseguição contra os judeus se escancarou. Ela
fugiu então para o Carmelo de Echt, nos Países Baixos, mas em 1940 a Alemanha
invadiu o país e prendeu católicos descendentes de judeus, como Edith, que foi
levada primeiro a Amersfoort e Westerbork e depois a Auschwitz. Lá, foi morta
na câmara de gás. Foi beatificada em 1988 e canonizada em 1998.
Otto
Neururer (1881-1940)
Pároco
e professor de educação religiosa, de temperamento tímido e vítima da
depressão, Neururer foi o primeiro presbítero a ser morto em um campo de
concentração nazista. Malvisto por seus superiores devido à sua pertença ao
Movimento Social Cristão, ele foi um dos muitos padres presos por ocasião da
anexação da Áustria. O pretexto foi uma acusação de “calúnia em detrimento de
um casamento alemão”, depois que ele aconselhou uma jovem a não se casar com um
homem divorciado membro do Partido Nazista. Neururer passou pelo campo de
Dachau e depois foi enviado a Buchenwald, onde foi torturado.
Em
meio aos trabalhos forçados, um outro prisioneiro pediu a ele que o batizasse.
O padre passou a catequizar ele e outros detentos e celebrou vários batismos –
o que era terminantemente proibido. Quando os fatos vieram à tona, ele foi
separado dos outros prisioneiros e levado para o bloco de punição: um lugar sem
luz nem ar onde ficavam vários prisioneiros sem alimento nem água. No seu caso,
a punição foi ainda mais sádica: Neururer foi pendurado de cabeça para baixo
até morrer, em 3 de junho de 1940. Ele foi beatificado em 1996.
Marianna
Biernacka (1888-1943)
Polonesa,
Marianna nasceu em uma família ortodoxa de Lipsk, mas se tornou católica aos 17
anos. Três anos depois, casou-se com o fazendeiro Ludwik Biernacki, com quem
teve seis filhos. Foi com um deles, Stanislaw, que ela foi morar quando ficou
viúva. Em 1º de julho de 1943, os soldados nazistas deram início a uma onda de
prisões e execuções na região, como retaliação pela morte de alguns de seus
soldados em um vilarejo próximo. Stanislaw e a esposa, Anna, foram presos e
designados para ser fuzilados.
Marianna,
então, ofereceu-se para ser morta no lugar da nora, que estava grávida. Os
soldados concordaram e a fuzilaram em 13 de julho de 1943, em Niemowicze (atual
Bielorrússia), depois de mantê-la presa por duas semanas. Marianna foi
beatificada em 1999 com outros 107 mártires poloneses da II Guerra. Anna morreu
em 2014, aos 98 anos.
Titus
Brandsma (1881-1942)
Brandsma
nasceu em Hartwerd, nos Países Baixos, em uma família católica em uma região
predominantemente calvinista. Ele entrou na Ordem dos Carmelitas aos 17 anos e
foi ordenado aos 24. Doutorou-se em Filosofia em 1909 e deu início aos
trabalhos de tradução das obras de Santa Teresa d’Ávila para o holandês. Foi um
dos fundadores da Universidade Radboud e nela lecionou Filosofia e História da
Mística, tornando-se depois reitor da instituição.
Ativo
também como jornalista, Brandsma se tornou um ferrenho crítico do nazismo
sobretudo a partir da ocupação dos Países Baixos, em 1940. Defendendo a
liberdade religiosa dos jornais católicos e o seu direito de se opor ao regime,
foi preso em janeiro de 1942 e levado a Amersfoort e depois a Dachau. Sua saúde
piorou assim que ele chegou ao campo, em junho, e ele acabou assassinado por
uma injeção letal, como parte de um programa de experimentação médica em prisioneiros,
em 26 de julho de 1942. Ele foi beatificado em 1995.
Sára
Salkaházi (1899-1944)
“Uma
moleca de vontade firme e ideias próprias”: era assim que o irmão de Sára a
descrevia. Nascida em Košice, na atual Eslováquia, ela era na juventude uma
fumante inveterada que flertava com o ateísmo e trabalhava como jornalista –
chegou a ser editora do jornal do Partido Socialista Nacional Cristão da
Tchecoslováquia. Chegou a noivar, mas terminou o relacionamento antes de se
casar. Aos 30 anos, decidiu entrar para a vida religiosa, ingressando na Irmãs
do Serviço Social. Seu primeiro trabalho como religiosa foi em sua cidade
natal, supervisionando ações caritativas, gerenciando uma livraria católica e
editando uma revista chamada Mulheres Católicas. A pedido da Conferência
Episcopal Eslovaca, organizou os vários grupos católicos de mulheres em uma
Associação das Mulheres Católicas de âmbito nacional. Na Hungria, fundou o
Movimento Nacional de Mulheres Trabalhadoras Católicas. Como diretora nacional
da entidade, abriu casas para jovens mulheres que ingressavam no mercado de
trabalho, organizava cursos e deu início ao primeiro colégio da Hungria para
mulheres trabalhadoras.
Em
protesto contra o nazismo, mudou seu sobrenome alemão, Schalkhaz, para uma
forma húngara, Salkaházi. Ela planejava vir ao Brasil em missão quando a II
Guerra estourou. Sára empenhou-se sem descanso para esconder judeus nos lares
que tinha fundado e em outro edifício da congregação, em Budapeste. Uma mulher
que trabalhava no edifício denunciou o fato às autoridades e os judeus ali
alojados foram presos por membros do Partido da Cruz Flechada, de
extrema-direita. Sára não estava na casa no momento da prisão e poderia ter
fugido, mas resolveu voltar. Ela foi fuzilada junto com os outros prisioneiros,
às margens do rio Danúbio, em 27 de dezembro de 1944. Em seus esforços, foi a
responsável por salvar a vida de mais de cem pessoas. Sára foi beatificada em
2006.
Josef
Mayr-Nusser (1910-1945)
Nascido
em Bolzano, na Itália, Mayr-Nusser aderiu na juventude à Sociedade de São
Vicente de Paulo e à Ação Católica, tornando-se líder das duas entidades em sua
região. Ele se casou aos 32 anos com Hildegard Straub, que conheceu em seu
trabalho como contador. O casal teve um filho, Albert, um ano depois. Desde o
começo da II Guerra Mundial, Mayr-Nusser participava de um grupo secreto
antinazista chamado Andreas Hofer Bund. Em setembro de 1943, as tropas alemãs
ocuparam o Alto Adige e um ano depois ele foi obrigado a se alistar nas SS, as
forças nazistas. Com um grupo de oitenta conterrâneos, ele foi levado a Konitz,
na Prússia (atual Chojnice, na Polônia), para o treinamento. No começo de
outubro de 1944, mais precisamente no dia 4, os combatentes precisaram prestar
o juramento de fidelidade a Hitler.
Mayr-Nusser,
no entanto, se recusou, gritando desde o seu lugar nas fileiras: “Senhor
major-general, em nome de Deus eu não posso fazer o juramento a Hitler. Não
posso porque minha fé e minha consciência não o permitem”. Os oficiais,
impressionados, pediram que ele pusesse isso por escrito – seria a sua sentença
de morte. Um amigo tentou dissuadi-lo, dizendo que sua recusa não mudaria nada
e que, ainda por cima, deixaria sua mulher e seu bebê sozinhos. “Se ninguém
nunca tiver coragem de dizer a eles que não concorda com as suas ideias
nazistas, as coisas não mudarão nunca”, respondeu ele. Da prisão em Danzig,
escreveu à esposa: “Você não teria se tornado minha esposa se esperasse algo
diferente de mim”. A sentença saiu em fevereiro de 1945: acusado de traição,
ele seria fuzilado no campo de concentração de Dachau. Ele morreu, porém,
durante a viagem, em uma parada em Erlangen, doente, no dia 24 de fevereiro.
Fonte: Cléofas e Sempre Família
Fonte: Cléofas e Sempre Família