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Deus alimenta, protege e conduz
A reflexão que Moisés faz com o povo ajuda-nos a compreender e penetrar um pouco no Mistério da Eucaristia. Ele começa sua fala dizendo: "lembra-te de todo o caminho por onde o Senhor teu Deus te conduziu" (1L). Não propõe algum conteúdo novo, apenas orienta o povo a prestar atenção no caminho por onde caminhou no deserto e como Deus o conduziu neste caminho.
Na simbologia Bíblica, o deserto é local de morte, de desorientação pela ausência de estradas; é ameaça de animais ferozes, é sentença de morte pela sede e pelo clima. Na perícope da 1ª leitura, contudo, o deserto é apresentado com um significado a mais: local de provação: "para te humilhar e te pôr à prova" (1L). A provação é uma situação quase que natural na vida de quem caminha nas estradas de Deus. O próprio Jesus foi provado no seu deserto (Mc 4,1-11).
A provação não é castigo da vida e muito menos castigo divino. É uma situação existencial, presente na vida religiosa. É uma espécie de teste para decantar sonhos, ilusões, fantasias e ingressar na estrada da fé pisando a realidade existencial de cada momento. A passagem pelo deserto, que durou 40 anos e simboliza a duração de uma vida na cronologia Bíblica, faz-nos entender que as provações são naturais, fazem parte da natureza existencial da vida humana e, repetindo, também quem se dispõe a iluminar a vida na espiritualidade religiosa passa por provações existenciais.
É na condição de provação que Moisés pede ao povo que recorde a passagem pelo deserto. Em meio a todos os perigos, todas as ameaças contra a vida, Deus estava presente para alimentar, conduzir e proteger a vida. A ação divina no deserto é prefiguração do que a Eucaristia é em nossas vidas: o cuidado divino que alimenta e fortalece a vida durante as provações. Motivo pelo qual consideramos que "nenhum outro povo recebeu tanto carinho" (SR).
Para melhor compreensão, vamos localizar a perícope evangélica no contexto de todo o capítulo 6 de João, iniciado com a multiplicação dos pães (Jo 6,1-15). João chama atenção que o milagre acontece num local deserto; podemos fazer referência à 1ª leitura: Deus alimenta seu povo no deserto. A multiplicação dos pães, portanto, como experiência de deserto, momento de provação para os seguidores de Jesus, bem manifestada na provocação que Jesus faz a Filipe, questionando como ter pão para alimentar aquela multidão (Jo 6,5-6). É neste contexto que Jesus faz o discurso, cuja perícope evangélica é proclamada nessa Liturgia.
O discurso de Jesus foi recebido de três modos diferentes: de modo material, dos que queriam Jesus como rei para não se preocupar mais com as necessidades da alimentação (Jo 6,15), o modo redutivo, vendo em Jesus a volta de Elias (2Rs 4,42-44) e o modo duvidoso, na impossibilidade de comer a carne e beber o sangue de Jesus (E).
O modo mais agudo está na dúvida: "como é que ele pode dar sua carne a comer?" (E). Jesus não se preocupa com a impopularidade, mantém-se firme na sua argumentação e, ainda mais, garante que o alimento que oferece é melhor daquele comido no deserto; é um alimento que faz viver para sempre (E). Está falando da Eucaristia: alimento superior a todos os alimentos porque produz vida eterna e nos insere na dimensão divina da eternidade.
O conceito de vida eterna, no Evangelho, não se restringe à pós-morte, mas a uma qualidade de vida, que é própria da vida divina. Vida divina que é comunicada e é comungando na Eucaristia. É pela Eucaristia que entramos em comunhão com o Corpo e Sangue de Jesus Cristo (2L), com a vida divina.
A vida eterna se caracteriza pela comunhão com a vida divina e, na dimensão fraterna, comunhão com a vida daqueles que comungam o mesmo pão e o mesmo vinho. Juntos formam "um só corpo, pois todos participamos desse único pão" (2L). A convivência e a atitude fraterna é uma consequência e uma qualidade da vida eterna. A Eucaristia não me alimenta com a vida plena, com a vida eterna, de modo individualista, mas sempre em vista de um relacionamento de doação e da partilha da vida, de modo fraterno.
Estamos falando de um estilo de vida, do mesmo estilo de como viveu Jesus: doando sua vida para que todos tivessem vida plena. Quem comunga a Eucaristia sempre comunga o estilo de vida do próprio Jesus, ou seja, comunga um modo concreto de viver e de conviver fraternalmente com todos. Neste sentido, o lava-pés, na instituição da Eucaristia, é o maior exemplo (Jo 13,1-15).