Homilia de Padre
Marcos Belizário Ferreira na Sexta-feira da Paixão do Senhor
O que nos faz cristãos é seguir Jesus. Nada mais. Este
seguimento a Jesus não é algo teórico ou abstrato.
Significa seguir seus passos, comprometer-nos como Ele a “humanizar a
vida”, e viver assim contribuindo para que, pouco a pouco, vá se tornando realidade
seu projeto de um mundo onde reine Deus e sua justiça.
Isto quer dizer que nós seguidores de Jesus somos chamados a pôr verdade
onde há mentira, a introduzir justiça onde há abusos e crueldade com os mais
fracos, a reclamar compaixão onde há indiferença diante dos que sofrem.
E isto exige formar comunidades onde se viva o projeto de Jesus, com seu
espírito e suas atitudes.
Seguir a Jesus traz consigo conflito, problemas e sofrimento. É preciso
estar disposto a arcar com as reações e resistências daqueles que, por um razão
ou outra, não buscam um mundo mais humano, tal como o quer Deus encarnado em
Jesus. Querem
outra coisa.
Os evangelhos conservaram um convite realista de Jesus a seus
seguidores. O
escandaloso da imagem só pode provir dele:
“Se alguém quiser vir após mim, tome sobre os ombros a sua cruz e
siga-me”, Jesus não os engana. Se o seguem de verdade, terão de
compartilhar seu destino. Acabarão como Ele.
Essa será a melhor prova de que seu seguimento é fiel. Seguir a Jesus é
uma tarefa apaixonante: é difícil imaginar uma vida mais digna e nobre. Mas ela
tem seu preço.
Para seguir a Jesus é importante “fazer”: fazer um mundo mais justo e
mais humano; fazer uma Igreja mais fiel a Jesus e mais coerente com Evangelho.
Contudo, é tão ou mais importante “padecer”: padecer por um mundo mais
digno; padecer por uma Igreja mais evangélica.
Estamos tão familiarizados com a cruz do Calvário que já não nos causa
nenhuma impressão. Por isso é bom lembrar alguns aspectos muito esquecidos do
Crucificado.
Comecemos por
dizer que Jesus não morreu de morte natural. Sua morte não foi a extinção
esperada de sua vida biológica.
Jesus foi morto violentamente.
Também não morreu vítima de um acidente casual sem fortuito, mas condenado à morte, depois de um processo levado a cabo pelas forças religiosas e civis mais influentes daquela sociedade.
Sua morte foi conseguencia da reação que Ele provocou com sua livre atuação, fraterna e solidária, com os mais pobres e abandonados daquela sociedade. Isto quer dizer que não se pode viver o Evangelho impunemente. Não se pode construir o Reino de Deus, que é reino da fraternidade, liberdade e justiça, sem provar a rejeição e a perseguição da parte daqueles aos quais não interessa nenhuma mudança.
Impossível é a solidariedade com os indefesos sem sofrer a reação dos poderosos.
Seu compromisso de criar uma sociedade mais justa e humana foi tão concreto e serio que até sua própria vida ficou comprometida.
E, não obstante, Jesus não foi um guerrilheiro, nem líder político, nem um fanático religioso. Foi um homem no qual se encarnou e se fez realidade o amor insondável de Deus aos seres humanos.
Por isso agora sabemos quais são as forças que se sentem ameaçadas quando o amor verdadeiro penetra numa sociedade, e como reagem violentamente, tratando de suprimir e afogar a atuação daqueles que buscam uma fraternidade mais justa e livre.
O Evangelho sempre será perseguido por aqueles que colocam a segurança e a ordem acima da fraternidade e da justiça (farisaísmo).
O Reino de Deus sempre se verá obstaculizado por toda força política que se entenda a si mesma como poder absoluto (Pilatos).
A mensagem do amor rejeitada em sua raiz por toda religião na qual Deus não seja Pai dos que sofrem (sacerdotes judeus).
Seguir a Jesus conduz sempre à cruz; implica estar disposto a sofrer o
conflito, a polêmica, a perseguição e até a morte.
Mas sua ressurreição nos
revela que uma vida crucificada, vivida até o final com o espírito de Jesus, só
lhe espera ressurreição.
Cf Pagola, O
Caminho aberto por Jesus , Ed Vozes . 331-333
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