Sempre olhamos
para o Crucificado com grande tristeza. Além de ter diante dos olhos a imagem
mais cruel do Homem das Dores, vem-nos à lembrança a causa de tanto sofrimento:
os pecados todos desde Adão até o final dos tempos estão retratados ali,
naquela imagem de um desfigurado pela dor, ingratidão, pela paixão e pelo
sofrimento da humanidade toda.
O profeta Isaías, nos Cânticos do Servo de Javé,
havia profetizado: “O mais belo dos homens perdeu toda sua beleza. Não mais
parece nem mesmo gente. Aparece como ‘golpeado, humilhado, desonrado e
triturado’” (Is 53,5).
Contudo, os Santos viam nEle a suma beleza, o maior objeto de esperança, a
figura santa e verdadeira do Homem novo.
Desta forma, a Cruz será o grande
contraste, o desafio por definição. Por um lado demonstra a maldade do ser
humano e, por outro, a grandiosidade do amor do Pai “que não poupou a seu
próprio Filho” (Rm 8,32), e de Cristo que demonstra ali o maior amor pelos
amigos, “morrendo por eles” (Jo 15, 13).
O Crucificado é,
efetivamente, o centro da História humana. É naquela hora – a HORA entre as
demais horas – que se realiza “a plenitude dos tempos” (Ef 1,10 e Gl 4,4). Como
Jesus havia confidenciado, naquela HORA Ele iria atrair tudo para si. De fato,
tudo se agrupa ao redor da cruz: os povos que andam nas trevas e os que avançam
ao clarão da luz eterna; a história de cada pessoa e do universo todo adquire
pleno sentido à sombra dessa cruz.
É por isso que São Paulo nos fala do
mistério da Cruz como o mistério central, o centro de toda a ciência e
sabedoria. O Crucificado, no mistério de sua Paixão e Morte, nos assegura o
aprendizado dos seus inesgotáveis tesouros de sabedoria e ciência. Ao nos
achegarmos ao Crucificado, contemplando-o com profunda compenetração,
tornamo-nos seus alunos e, se formos dóceis aos seus ensinamentos, tornamo-nos
seguidores dos seus passos todos... até mesmo dos ensanguentados.
“A Cruz está de
pé, enquanto o mundo gira”, cantava-se em séculos passados, aparecendo, assim,
a cruz como a rocha firme, o baluarte que não treme diante das coisas que
passam. Ela é estável e firme! Ela está firme, enquanto os acontecimentos
humanos se desenrolam a seus pés, transformados pelo sangue redentor.
A Cruz é também
o grande sinal da esperança última: “Verão aparecer sobre as nuvens o sinal do
Filho do Homem” (Mt 24,30). Os cemitérios, as lápides sepulcrais quase todas,
estão assinaladas pela cruz. É a certeza de que “aqueles que morreram em
Cristo, também ressuscitarão com Ele” (Rm 6,4). A cruz atravessa as sombras da
morte, os muros do desconhecido mundo do Além, e abre novas esperanças, a visão
preanunciada de uma vida nova de felicidade eterna: agregação conjunta de todos
os bens e alegrias.
A Cruz,
dizíamos, se nos apresenta como um grande contraste, um verdadeiro choque. Ali
se defrontam o ódio máximo e o amor maior; o aparente fracasso e a vitória
final, já iniciada; a justiça e a misericórdia; as luzes e as trevas; a
tristeza da morte e o rebentar das “fontes da alegria de salvação” (Is 12,3).
A
Cruz nos estimula ao sacrifício, ao heroísmo e ao martírio. Nela os
missionários de todos os tempos encontravam inspiração e impulso
evangelizador. Todos os inumeráveis mártires de ontem e de hoje encontravam na
Cruz o ideal e a força para o sofrimento e para o enfrenta-mento da própria
morte, qualquer que fosse.
A Cruz, ainda
hoje, nos irmana na solidariedade com os que sofrem: doentes, encarcerados,
injustiçados, excluídos... Para todos eles (e para nós também) o Crucificado é
a resposta: “Não temais, eu venci o mundo” (Jo 16,33).
Ao nos persignarmos
com o sinal do cristão – como aprendemos desde o Catecismo – professamos a
nossa fé que brota da Cruz e nela se consuma como início da vitória final.
Não percamos o lindo costume de enriquecermos as salas de estar, salas de aula, de decisões maiores, estabelecimentos públicos com a figura nobre e, ao mesmo tempo, interpeladora do Crucificado. É perene apelo à justiça e honestidade. Ao contemplarmos
um pouco mais de perto o Crucificado, entenderemos melhor os segredos de Jesus
e teremos mais coragem para enfrentar os contratempos do dia-a-dia. A Cruz é uma das
grandes maravilhas de um amor sem limites e sem explicações, de um amor
humano-divino de total doação.
A Semana Santa nos traz o ápice da nossa Salvação: Paixão, Morte
e Ressurreição do Senhor. É momento de mergulhar mais a fundo no mistério da
Cruz e da dor. Todos nós, fomos agraciados com o grandioso filme “A Paixão de Jesus
Cristo” de Mel Gibson.
Quando nos
defrontamos com a Paixão de Jesus, começamos a entender um pouco mais a luta do
mal contra o bem e a vitória que Cristo conquistou sobre esse mal trágico, que
parece aninhar-se no fundo do coração de cada pessoa.
Cristo nos abre horizontes de luz para entender a dor e o sofrimento, assumindo-os em nosso nome. Abre-nos as
portas escancaradas da esperança sobre o eventual desespero do medo da morte
mediante a gloriosa Ressurreição: fonte e garantia de vida nova. O “sepulcro
vazio” nos dá a certeza de caminharmos na direção da Vida Nova, conquistada por
Cristo para cada um de nós. Sepulcros permanecerão sepulcros, quais instantes
de passagem rápida e transitória para o abraço interminável da Eternidade
feliz.
Dom Eusébio Oscar Scheid - 30 de março de
2004
Cardeal Arcebispo
Emérito da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro