sábado, março 16, 2013

UM PAPA E DOIS FRANCISCOS


 Jorge Mario Bergoglio, jesuíta, argentino, portenho de Buenos Aires, do qual ninguém falava. Desde o extremo sul do planeta chegou a Roma e dali não sairá. Mais uma vez fica comprovado que a Igreja não se rege pelos altos e baixos da opinião pública e tampouco cede a pressões externas.  O nome não falado, não anunciado nem especulado, protegido pelo segredo da discrição do conclave, foi o que emergiu como eleito.
Outra surpresa, porém aguardava a multidão que passara o dia sob o frio e a chuva para conhecer seu pastor.  E também aqueles que em todas as latitudes olhavam a televisão esperando o resultado da fumaça branca.  Tratava-se do nome que o novo Papa escolhera para seu pontificado: Francisco. É o primeiro assim chamado na linhagem de todos os pontífices que há mais de dois mil anos governam a Igreja Católica.
A escolha do nome por parte de um papa não é acaso nem questão de gosto.  No nome reflete-se um projeto: o projeto do novo pontífice, um sinal ao mundo de que linhas teológicas,  atitudes pastorais e políticas de governo marcarão seu pontificado.  Assim, em 1978 o cardeal Albino Luciani tornou-se o primeiro Papa a ter um nome duplo: João Paulo I para homenagear seus dois antecessores imediatos, João XXIII e Paulo VI.  Deixava assim patente o Papa sorriso – como era chamado por sua encantadora alegria -  a intenção de aplicar durante seu pontificado os decretos do Concílio Vaticano II na esteira dos dois papas que o haviam respectivamente inaugurado e finalizado. Com sua prematura morte, o sucessor escolheu o nome de João Paulo II a fim de afirmar que assumia como sua a tarefa do antecessor. 
O nome Francisco segue essa linha.  Imediatamente se vê no Papa que veio do sul do mundo onde imperam a pobreza e a injustiça, o desejo de identificar-se com a figura gigantesca e inspiradora de Francisco de Assis, o “poverello” que amou a pobreza como Dama e noiva e serviu os pobres como seus irmãos mais queridos. É o mesmo Francisco que ouviu do Crucificado diante do qual rezava em São Damião o pedido amoroso que soou como um mandato: “Francisco, reconstrói a minha Igreja”. Neste momento em que a renúncia de Bento XVI surpreendeu o mundo, vieram a público inúmeras sombras que obscurecem o rosto da Igreja.
O novo Papa tem a missão de reconstruir aquilo que se encontra fragilizado e destruído. E para isso adota o nome  de Francisco de Assis. 

Porém, além de ser argentino, portenho, latino-americano, o Papa Francisco é também o primeiro Papa jesuíta em toda a história da Igreja.  Tal fato encontra sua raiz na própria Companhia de Jesus, fundada por Inácio de Loyola nos albores da modernidade.  Tendo vivido a situação calamitosa da Igreja que resultou na Reforma protestante, Inácio sabia bem o quanto podem ser danosas para uma vida cristã autêntica as honras e prestígios deste mundo.  É assim que nas Constituições da nova Ordem missionária que funda explicita claramente que o jesuíta não deve aceitar dignidades eclesiásticas.  E faz esta renúncia objeto de um voto próprio da Ordem, que todos  os jesuítas professos devem pronunciar. 

Ao longo da história, houve ocasiões em que este voto foi suplantado por uma necessidade eclesial imperiosa, ou por uma circunstância de urgência, ou por uma prioridade missionária inegável. Por isso há menos bispos jesuítas ou cardeais do que os há de outras ordens.  E nunca houve um Papa jesuíta.  É próprio do espírito da Ordem não buscar e - a não ser quando Deus mostre claramente sua vontade em sentido oposto – aceitar postos hierárquicos.
Jorge Mario Bergoglio entrou jovem para a Companhia de Jesus e ali foi formado e configurado segundo o estilo único que os Exercícios Espirituais de Santo Inácio imprimem naquele ou naquela que faz esta experiência.

  Aquilo que é uma das características mais marcantes do novo Papa e que a mídia agora explicita, tal como viver austeramente, usar transporte público em vez de carro oficial, andar pelas periferias  da cidade junto aos mais pobres são um reflexo da formação por ele recebida na escola do Peregrino de Loyola, fundador da Companhia.

E é aí que se pode ver e constatar que por trás do nome escolhido pelo novo Pontífice existe outro Francisco além do de Assis.  Francisco Xavier, nobre espanhol navarro, brilhante estudante da Universidade de Paris que um dia encontrou Inácio de Loyola em seu caminho.  A proximidade do mestre espiritual, a experiência dos Exercícios revelaram e poliram a tempera extraordinária desse missionário que ainda muito jovem foi enviado ao Oriente.
Pela mediação deste Francisco, o Evangelho chegou à Índia e ao Japão. Aos 46 anos morria Xavier às portas da China. Muito cedo sua fama de santidade correu mundo.  E a Igreja o fez padroeiro das missões.

Juntamente com o Poverello de Assis, o missionário Xavier está muito presente no nome do novo Papa.  Resta-nos esperar que seu pontificado seja marcado pelo amor aos pobres do santo de Assis e pelo ardor e heroísmo missionário do jesuíta navarro.  Graças a Deus, habemus Papam!

    Maria Clara Lucchetti Bingemer, professora do  Departamento de Teologia da PUC-Rio


PAPA FRANCISCO I FALANDO AOS MAIS DE 5.000 JORNALISTAS NA SALA PAULO VI