Este o fulcro das palavras dirigidas pelo Papa Francisco aos 25 cardeais
e bispos que participaram na segunda fase do Congresso internacional da
pastoral nas grandes cidades, realizado nos dias passados em Barcelona e que
teve a sua conclusão na Basílica da Sagrada Família, obra do grande arquiteto
António Gaudí.
O Congresso foi dividido em duas partes, uma realizada de 22 a 24 de
Maio e em que tomaram parte peritos em sociologia, pastoral e teologia e outra
nos dias 24 e 25 do corrente mês em que participou um importante número de
cardeais e arcebispos provenientes de grandes cidades dos cinco continentes e
que foram recebidos esta quinta-feira em audiência pelo Papa.
E ao receber hoje os acima referidos cardeais e arcebispos, o Papa Francisco solicitou uma mudança da mentalidade pastoral a fim de “aumentar a nossa capacidade de dialogar com as diversas culturas”, “valorizar” a religiosidade dos povos, partilhando pão e Evangelho com os mais pobres.
Traçando um quadro dos aglomerados urbanos de hoje, o Papa mostrou como é
necessário “reposicionar os nossos pensamentos e as nossas atitudes por forma a
não “permanecer desorientados”, confundindo também “o povo de Deus”. A
proposta do Papa é, portanto, a de “uma verdadeira transformação eclesial em
chave missionária: “Uma mudança de mentalidade: do receber ao sair, do esperar que venham
ter conosco ao ir procurá-los. Para mim esta é a chave! Sair para
encontrar Deus que habita na cidade e nos pobres.
Sair para se encontrar com eles, para ouvir, abençoar, para caminhar com
as gentes. E
facilitar o encontro com o Senhor. Tornar acessível o sacramento do Batismo.
Igrejas abertas. Secretarias com horários para pessoas que trabalham.
Catequeses que se adaptam, no conteúdo e nos horários, às cidades”.
A Igreja – recordou o Papa – Tem “uma prática pastoral secular” em que
“era a única referente da cultura” e “sentiu, portanto, a responsabilidade de
delinear, e de impôr, não só as formas culturais, mas também valores”. Mas o
Papa fez notar que já não estamos nessa época: “Já passou. Já
não estamos na cristandade. Hoje já não somos os únicos que produzem cultura,
nem os primeiros, nem os mais ouvidos. Temos, portanto,
necessidade de uma mudança de mentalidade pastoral, mas não de uma
“pastoral relativista” que querendo estar na “cozinha cultural” perde o
horizonte evangélico, deixando o homem confiado a si mesmo e emancipado da mão
de Deus”.
Com este comportamento, não se teria “verdadeiro interesse pelo homem”;
esconder-se-lhe-ia “Jesus e a verdade sobre o próprio homem”: “É necessário ter
a coragem de fazer uma pastoral evangelizadora audaz e sem temor, porque o
homem, a mulher, a família e os vários grupos que habitam a cidade esperam de
nós (e têm necessidade dela para a sua vida), a Boa Nova que é Jesus e o seu
Evangelho.
Muitas vezes ouço dizer que se tem vergonha de expor-se. Devemos
trabalhar no sentido de não ter vergonha ou recuo no anunciar Jesus.”
Um diálogo pastoral sem relativismo, explicou o Papa, é aquele que não
negocia a própria identidade cristã, mas que deseja chegar ao coração do outro,
dos outros diferentes de nós e ali semear o Evangelho”. Sem recusar, portanto,
“o contributo das diversas ciências para conhecer o fenômeno urbano”, é preciso
descobrir “o fundamento das culturas, sedentas de Deus, na sua profundidade”,
conhecendo “os imigrados e as cidades invisíveis, isto é os grupos e os
territórios humanos que se identificam nos seus símbolos, linguagens, ritos e
formas para contar a vida”.
Por outro lado, recordou o Papa, “Deus habita na cidade”: é preciso ir procurá-lo e parar “lá onde Ele está a agir”. O convite é, portanto, no sentido de “descobrir, na religiosidade dos nossos povos, o autentico substrato religioso, que em muitos casos é cristão e católico”
Mesmo nas expressões de “religiosidade natural” é, portanto, possível
começar “o diálogo evangelizador” tal como já aconteceu na Igreja que está na
América Latina e nas Caraíbas, que, desde há alguns decênios “deu-se conta da
força religiosa, que vem sobretudo das maiorias pobres”: “Deus continua a
falar-nos hoje, como sempre fez, através dos pobres, do “resto”. De forma
geral, as grandes cidades são hoje habitadas por numerosos migrantes e pobres,
que provêm das zonas rurais, ou doutros continentes, com outras culturas”.
A realidade da cidade de que não se pode, portanto, prescindir, é a dos pobres, dos excluídos, dos descartados:
“A Igreja não pode ignorar o seu grito, nem entrar no jogo dos sistemas injustos, mesquinhos e interessados que procuram torná-los invisíveis. Tantos pobres, vítimas de antigas e novas pobrezas.
Há novas pobrezas! Pobrezas estruturais e endêmicas que estão a excluir
gerações de famílias. Pobrezas econômicas, sociais, morais e espirituais. Pobrezas
que marginalizam e descartam pessoas, filhos de Deus. Na cidade, o futuro dos
pobres é mais pobre”.
O convite do Papa Francisco – inspirando-se nos ensinos de Bento XVI – é
a de “aprender a suscitar a fé”, através da catequese e não só, voltando a
suscitar “a curiosidade e o interesse por Jesus Cristo”, mediante uma Igreja
samaritana: na pastoral urbana, a qualidade será dada pela capacidade de
testemunho que saberá dar, juntamente com cada cristão: “Com o
testemunho podemos incidir nos núcleos mais profundos, lá onde nasce a cultura.
Através do testemunho, a Igreja semeia o grão de
mostarda, mas fá-lo no próprio coração das culturas que se estão a gerar nas
cidades”.
Um testemunho concreto de misericórdia e ternura “que procura estar
presente nas periferias existenciais e pobres”, poderá ajudar os cristãos no
“construir uma cidade na justiça, na tolerância, e na paz”: para além de ser
através duma colaboração com “irmãos de outras Igrejas e comunidades eclesiais”
e da pastoral ecumênica caritativa, isto será também mediante o empenho das
Caritas e de outras organizações sociais da Igreja, dos mesmos pobres e dos
leigos.
“Também a liberdade do leigo. Porque o que nos torna
prisioneiros, que não faz abrir as portas de par em par, é uma “a doença do
clericalismo”.
(DA con GA)
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