mobilidade urbana e interesse público
Considera-se
interesse público o resultante do conjunto dos interesses que os indivíduos
pessoalmente tem quando considerados em sua qualidade de membros da sociedade.
Ligado
ao conceito de bem comum, é nada mais nada menos que o objetivo principal do
Estado Democrático de Direito.
De
fato, dele depende a própria concepção de Estado, na medida em que o contrato
social só se justifica quando o ente público criado para garantir o bem estar
coletivo se compromete efetivamente a persegui-lo.
Dentre
os interesses públicos tuteláveis encontra-se indiscutivelmente a mobilidade
urbana, especialmente nas grandes metrópoles, em que o tráfego intenso e
desorganizado rouba tempo de vida dos cidadãos, gera poluição exagerada,
dificulta o atendimento emergencial hospitalar, facilita o exercício da
criminalidade e contribui, em última análise, para o caos social.
Com
o fim de evitar o penoso trânsito e seus inúmeros infortúnios, vultosos
investimentos são feitos pela Administração Pública para escoamento do
trânsito. Pontes, túneis, estradas, ruas, vias de acesso, rodoanéis e obras que
envolvem milhões de reais dos cofres públicos são realizadas com frequência
para fazer frente ao sempre crescente número de veículos em circulação nas
cidades Brasil afora. Em se tratando de verba pública, tais providências
requerem planejamento, previsão orçamentária, licitação e toda uma movimentação
da máquina administrativa, até que se possa entregar à sociedade a obra que
viabilizará um melhor escoamento do trânsito e minimizará os efeitos nocivos da
perda de tempo. Nocivos e por vezes fatais.
Isso
porque não são apenas os acidentes que matam no trânsito: o atendimento em
tempo hábil salva vidas, seja no caso do veículo Corpo de bombeiros, da viatura
polícia e da ambulância, seja no caso da senhorinha que está passando mal em
direção ao hospital, do pai que corre para salvar seu filho ou da parturiente
que tenta chegar à maternidade. Ainda nessa linha de raciocínio é inegável numa
metrópole como o Rio de Janeiro que a criminalidade se vale da lentidão do
trânsito para fazer suas vítimas. Imóveis que estão em seus veículos,
motoristas e passageiros tornam-se presas fáceis dos ágeis predadores em suas
motos como gazelas amarradas entregues de bandeja aos leões.
Em
outras palavras, mobilidade urbana é vida.
No
último dia 17 de maio a cidade do Rio de Janeiro enfrentou um grave problema de
mobilidade urbana: zona sul e zona oeste foram geograficamente isoladas por
dois eventos simultâneos: o fechamento da Avenida Niemeyer e do túnel Rafael
Mascarenhas. A primeira por deslizamento de terra e o segundo por queda de viga
de concreto.
Por
sorte a sociedade contava com uma passagem secreta guardada há dezesseis anos e
sete chaves que prontamente foi aberta: o viaduto Graça Couto que liga o túnel
Zuzu Angel à Rua Marquês de São Vicente, na Gávea. Inaugurado na década de 80,
a passagem foi fechada em 2003 por pressão da Associação de Moradores daquele
bairro, que considerava que o tráfego de veículos pela região tumultuava o
trânsito da região.
Ocorre,
entretanto, que a passagem melhora o trânsito de outras regiões. Muitas outras.
Toda a Zona Oeste, na realidade. E ainda São Conrado, bairro mais atingido com
o fechamento da via para a qual se licitou, pagou com dinheiro público e vinte
anos depois se fechou por conveniência de um grupo individualizado de pessoas,
em detrimento do interesse público de toda a população que diariamente transita
entre as zonas oeste e sul da cidade.
O
pequeno viaduto de poucos metros de comprimento permite que se chegue com
rapidez, por exemplo, à Clínica São Vicente, à Pontifícia Universidade
Católica, a inúmeras escolas localizadas na Gávea, em trajeto que a partir de
São Conrado não leva mais do que cinco minutos. A volta, entretanto, necessária
quando o viaduto está fechado, custa mais trinta e cinco ou quarenta minutos de
vida do cidadão. Ou ela própria,
dependendo da urgência e do tempo de que ainda dispõe de atendimento.
O
Direito lida diuturnamente com conflitos de interesses, sejam individuais, sejam coletivos. A forma de
solução desses conflitos, caso ambos sejam tutelados por normas jurídicas de mesma hierarquia é a
ponderação dos interesses em litígio. Assim se decide por exemplo quando o
direito à liberdade de expressão de alguém se contrapõe ao direito intimidade
de outrem ou quando o direito ao mínimo existencial se contrapõe à reserva do
possível ou, em outras palavras, às limitações estatais.
Essa
técnica de ponderação permite que se observe no caso concreto qual interesse em
jogo igualmente tutelado pela norma jurídica deve prevalecer.
São
Conrado é um bairro de passagem, constantemente assolado pelo engarrafamento.
Se a moda pega, periga a Associação de moradores pleitear o fechamento da Auto
Estrada Lagoa Barra para viver em paz com seus poucos carros e não ser
incomodada com o trânsito, barulho de ônibus, poluição...
É
preciso enxergar o Viaduto Graça Couto como um investimento à mobilidade urbana
já pago com dinheiro público. Obra pronta e acabada que é de todos e de cada um
dos munícipes e que não pode simplesmente ser obstruída em razão do interesse
de um grupo pequeno de pessoas que não quer ser incomodado com um trânsito que
não é mazela só de outros nem privilégio de ninguém.
Mirela Erbisti – moradora
de São Conrado