O olhar contemplativo não cessa de se maravilhar diante da criação.
Desde cedo, aprendeu a olhá-la, sem pressas nem ansiedade; foi educado para
descobrir a sua permanente novidade, ao longo dos vários ciclos vitais;
aprendeu que esta contemplação não é nem tempo perdido nem uma inutilidade, mas
que molda lentamente uma sabedoria de vida insubstituível.
A cada passo, a
pessoa capta a beleza singular duma árvore, perdida no meio do bosque; a
limpidez pacificadora dum pequeno curso de água, que corre serpenteando entre
pedras; os movimentos ágeis de um gato, a trepar competentemente a um arbusto;
o voo livre de um pássaro, que nos faz duvidar da existência da gravidade.
Diz-se que a reacção
de São Francisco de Assis, «sempre que olhava o sol, a lua ou os minúsculos animais, era
cantar, envolvendo no seu louvor todas as outras criaturas. Entrava em
comunicação com toda a criação, chegando mesmo a pregar às flores,
convidando-as a louvar o Senhor, como se gozassem do dom da razão» (LS
11).
O canto brota com
naturalidade naquele que contempla alegremente a natureza. A este propósito,
convém recordar o compositor francês O. Messiaen (1908-1992), que se
apresentava como músico e como cristão, mas também como ornitólogo. De facto,
ele passava muito tempo a gravar os sons dos pássaros, que influenciaram
enormemente a sua música, a qual não é de certeza uma música de entretenimento,
mas um momento de contemplação mística. Talvez a explicação para as nossas
celebrações estarem carentes de música – e música de qualidade – tenha a ver
com esta «miopia contemplativa», que não capta a beleza inscrita nas obras da
criação, mas apenas oportunidades de negócio, a serem aproveitadas o mais
rapidamente possível.
Este olhar
contemplativo faz-nos aproximar do divino e põe-nos em relação com o Espírito
que renova a face da Terra. Juntamente com a experiência da fraternidade, este
olhar demorado e atento faz nascer em nós os sentimentos da misericórdia e da
compaixão diante dum mundo desfigurado pela incúria e pela especulação.
Os olhos do místico
aprenderam a encontrar a Deus em todas as coisas, porque «a contemplação é tanto mais
elevada quanto mais o homem sente em si mesmo o efeito da graça divina ou
quanto mais sabe reconhecer Deus nas outras criaturas» (LS
233). Conseguiu fazer essa descoberta tremenda que «tudo o que há de bom nas coisas e experiências do mundo
encontra-se eminentemente em Deus de maneira infinita. E isto não porque as
coisas limitadas do mundo sejam realmente divinas, mas porque o místico
experimenta a ligação íntima que há entre Deus e todos os seres vivos e, deste
modo, sente que Deus é para ele todas as coisas. Quando admira a grandeza duma
montanha, não pode separar isto de Deus, e percebe que tal admiração interior
que ele vive, deve finalizar no Senhor» (LS 234).
José
Domingos Ferreira, scj
Fonte: Dehonianos de Portugal