Este dia constitui, para os doentes, os operadores
sanitários, os fiéis cristãos e todas as pessoas de boa vontade, “um momento
forte de oração, de partilha, de oferta do sofrimento pelo bem da Igreja e de
apelo dirigido a todos para reconhecerem na face do irmão enfermo a Santa Face
de Cristo que, sofrendo, morrendo e ressuscitando, operou a salvação da
humanidade” (João Paulo II, Carta de instituição do Dia Mundial do Doente, 13
de Maio de 1992, 3).
Nesta circunstância, sinto-me particularmente unido a
cada um de vós, amados doentes, que, nos locais de assistência e tratamento ou
mesmo em casa, viveis um tempo difícil de provação por causa da doença e do
sofrimento. Que cheguem a todos estas palavras tranquilizadoras dos Padres do
Concílio Ecuménico Vaticano II: “Sabei que não estais (…) abandonados, nem sois
inúteis: vós sois chamados por Cristo, a sua imagem viva e transparente” (Mensagem
aos pobres, aos doentes e a todos os que sofrem).
Para vos acompanhar na peregrinação espiritual
que nos leva de Lourdes, lugar e símbolo de esperança e de graça, ao Santuário
de Altötting, desejo propor à vossa reflexão a figura emblemática do Bom
Samaritano (cf. Lc 10, 25-37). A parábola evangélica narrada por São Lucas faz
parte duma série de imagens e narrações tomadas da vida diária, pelas quais
Jesus quer fazer compreender o amor profundo de Deus por cada ser humano, especialmente
quando se encontra na doença e no sofrimento.
Ao mesmo tempo, porém, com as palavras finais da
parábola do Bom Samaritano – “Vai e faz tu também o mesmo” (Lc 10, 37) –, o
Senhor indica qual é a atitude que cada um dos seus discípulos deve ter para
com os outros, particularmente se necessitados de cuidados. Trata-se, por
conseguinte, de auferir do amor infinito de Deus, através de um intenso
relacionamento com Ele na oração, a força para viver diariamente uma solicitude
concreta, como o Bom Samaritano, por quem está ferido no corpo e no espírito, por
quem pede ajuda, ainda que desconhecido e sem recursos.
. Isto vale não só para os agentes pastorais e
sanitários, mas para todos, incluindo o próprio enfermo, que pode viver a sua
condição numa perspectiva de fé: «Não é o evitar o sofrimento, a fuga diante da
dor que cura o homem, mas a capacidade de aceitar a tribulação e nela amadurecer,
de encontrar o seu sentido através da união com Cristo, que sofreu com infinito
amor» (Enc. Spe salvi, 37).
3. Diversos Padres da Igreja viram, na figura do Bom
Samaritano, o próprio Jesus e, no homem que caiu nas mãos dos salteadores,
Adão, a humanidade extraviada e ferida pelo seu pecado (cf. Orígenes, Homilia
sobre o Evangelho de Lucas XXXIV, 1-9; Ambrósio, Comentário ao Evangelho de São
Lucas, 71-84; Agostinho, Sermão 171).
Jesus é o Filho de Deus, Aquele que torna presente o
amor do Pai: amor fiel, eterno, sem barreiras nem fronteiras; mas é também
Aquele que “Se despoja” da sua “veste divina”, que baixa da sua “condição”
divina para assumir forma humana (cf. Flp 2, 6-8) e aproximar-Se do sofrimento
do homem até ao ponto de descer à mansão dos mortos, como dizemos no Credo,
levando esperança e luz.
Ele não Se vale da sua igualdade com Deus, do seu ser
Deus (cf. Flp 2, 6), mas inclina-Se, cheio de misericórdia, sobre o abismo do
sofrimento humano, para nele derramar o óleo da consolação e o vinho da
esperança.
O Ano da fé, que estamos a viver, constitui uma
ocasião propícia para se intensificar o serviço da caridade nas nossas
comunidades eclesiais, de modo que cada um seja bom samaritano para o outro,
para quem vive ao nosso lado.
A propósito, desejo recordar algumas figuras,
dentre as inúmeras na história da Igreja, que ajudaram as pessoas doentes a
valorizar o sofrimento no plano humano e espiritual, para que sirvam de exemplo
e estímulo. Santa Teresa do Menino Jesus e da Santa Face, «perita da scientia
amoris» (João Paulo II, Carta ap. Novo millennio ineunte, 42), soube viver «em
profunda união com a Paixão de Jesus» a doença que a levou «à morte através de
grandes sofrimentos» (Audiência Geral, 6 de Abril de 2011). O Venerável Luís
Novarese, de quem muitos conservam ainda hoje viva a memória, no exercício do
seu ministério sentiu de modo particular a importância da oração pelos e com os
doentes e atribulados, que acompanhava frequentemente aos santuários marianos,
especialmente à gruta de Lourdes. Movido pela caridade para com o próximo, Raul
Follereau dedicou a sua vida ao cuidado das pessoas leprosas mesmo nos cantos
mais remotos da terra, promovendo entre outras coisas o Dia Mundial contra a
Lepra.
A Beata
Teresa de Calcutá começava sempre o seu dia encontrando Jesus na Eucaristia e
depois saía pelas estradas com o rosário na mão para encontrar e servir o
Senhor presente nos enfermos, especialmente naqueles que não são «queridos, nem
amados, nem assistidos». Santa Ana Schäffer, de Mindelstetten, soube, também
ela, unir de modo exemplar os seus sofrimentos aos de Cristo: «o seu quarto de
enferma transformou-se numa cela conventual, e o seu sofrimento em serviço
missionário. (…) Fortalecida pela comunhão diária, tornou-se uma intercessora
incansável através da oração e um espelho do amor de Deus para as numerosas
pessoas que procuravam conselho» (Homilia de canonização, 21 de Outubro de
2012). No Evangelho, sobressai a figura da Bem-aventurada Virgem Maria, que
segue o sofrimento do Filho até ao sacrifício supremo no Gólgota. Ela não perde
jamais a esperança na vitória de Deus sobre o mal, o sofrimento e a morte, e
sabe acolher, com o mesmo abraço de fé e de amor, o Filho de Deus nascido na
gruta de Belém e morto na cruz. A sua confiança firme no poder de Deus é
iluminada pela Ressurreição de Cristo, que dá esperança a quem se encontra no
sofrimento e renova a certeza da proximidade e consolação do Senhor.
Por fim, quero dirigir um pensamento de viva
gratidão e de encorajamento às instituições sanitárias católicas e à própria
sociedade civil, às dioceses, às comunidades cristãs, às famílias religiosas
comprometidas na pastoral sanitária, às associações dos operadores sanitários e
do voluntariado.
Possa crescer em todos a consciência de que, “ao aceitar
amorosa e generosamente toda a vida humana, sobretudo se frágil e doente, a
Igreja vive hoje um momento fundamental da sua missão” (João Paulo II, Exort.
ap. pós-sinodal Christifideles laici, 38).
Confio este XXI Dia Mundial do Doente à intercessão da
Santíssima Virgem Maria das Graças venerada em Altötting, para que acompanhe
sempre a humanidade que sofre, à procura de alívio e de esperança firme, e
ajude todos quantos estão envolvidos no apostolado da misericórdia a tornar-se
bons samaritanos para os seus irmãos e irmãs provados pela enfermidade e o
sofrimento, enquanto de bom grado concedo a Bênção Apostólica.
Vaticano, 2 de Janeiro de 2013.