Como nos
recordou Papa Bento XVI, São Bento fora declarado o patrono da Europa por Paulo
VI e entre os ensinamentos de sua Regra, existia um que julgava de particular
importância e atualidade, a saber, a centralidade na vida dos cristãos do amor
à pessoa de Jesus Cristo, como Bento pede em sua Regra: “nada antepor ao amor
de Cristo”.
Foi na véspera
da própria Festa de São Bento no dia 11 de Julho, após a recitação do Ângelus,
que novamente Bento XVI se referiu, agora com mais vagar, à sua predileção pela
pessoa de São Bento, tendo em vista, sobretudo, as necessidades e crises do
mundo atual. Por serem essas palavras pouco conhecidas, pensamos ser oportuno
citar aqui, na íntegra, este testemunho pessoal do papa..
“Queridos irmãos
e irmãs: Amanhã celebra-se a festa de São Bento abade, patrono da Europa, um
santo pelo qual sinto um amor particular, como se pode intuir por ter elegido
seu nome. Nascido em Núrsia, em torno ao ano 480, Bento realizou seus primeiros
estudos em Roma, mas decepcionado pela vida da cidade, retirou-se a Subiaco,
onde permaneceu durante uns três anos no famoso «Sacro Speco», dedicando-se
totalmente a Deus. Em Subiaco, servindo-se das ruínas de uma grande vila do
imperador Nero, junto a seus primeiros discípulos, construiu alguns mosteiros,
dando vida a uma comunidade fraterna fundada na primazia do amor de Cristo, na
qual a oração e o trabalho se alternam harmoniosamente em louvor a Deus.
Anos
depois, em Montecassino, deu plena forma a este projeto, e o pôs por escrito na
«Regra», sua única obra que chegou até nós. Entre as cinzas do Império Romano,
Bento, buscando antes que nada o Reino de Deus, semeou, talvez sem nem sequer
dar-se conta, a semente de uma nova civilização que se desenvolveria,
integrando os valores cristãos com a herança clássica, por uma parte e das
culturas germânica e eslava por outra.
Há um aspecto
típico de sua espiritualidade, que hoje quero sublinhar de maneira particular:
Bento não fundou uma instituição monástica orientada principalmente à
evangelização dos povos bárbaros, como os demais grandes monges missionários da
época, mas indicou a seus seguidores como objetivo fundamental da existência, e
mais, o único, a busca de Deus: «Quaerere Deum». Contudo, sabia que quando o
crente entra em relação profunda com Deus não pode contentar-se em viver de
maneira medíocre, com uma ética minimalista e uma religião superficial.
Desde
esta perspectiva, entende-se melhor a expressão que Bento tomou de São Cipriano
e que, em sua «Regra» (IV, 21), sintetiza o programa de vida dos monges: «Nihil
amori Christi praeponere», «Não antepor ao amor de Cristo». Nisto consiste a
santidade, proposta válida para cada cristão, que se converteu em uma autêntica
urgência pastoral em nossa época, na qual se experimenta a necessidade de
ancorar a vida e a história em sólidas referências espirituais.”
Parece-nos
igualmente importante e talvez ainda mais oportuno, conhecer outro
pronunciamento, também recente, sobre a figura de Bento apresentado pelo ainda
Cardeal Ratzinger, no final de uma Conferência pronunciada no Mosteiro de
Subiaco, na ocasião em que recebeu o Prêmio “São Bento pela Europa”, que lhe
fora concedido pela Fundação de Subiaco “Vida e Família”. Essa Conferência, com
o seguinte título: “A Europa nas crises das culturas”, abordava as características
principais das novas culturas que se manifestam nas correntes atuais do
pensamento europeu.
Essas culturas começam por negar, infelizmente, muitos dos
principais valores da tradição da cultura cristã da Europa. No final dessa
conferência o Cardeal Ratzinger se referia à importância, no momento atual, não
somente dos trabalhos de grandes eruditos nas ciências modernas, mas,
sobretudo, da necessidade da presença de verdadeiros mestres, que sejam
testemunhas e que falem mais pela própria vida do que pelas idéias que
apresentam. Neste momento Ratzinger voltava a referir-se a São Bento:
“Do que mais
necessitamos, neste momento da história, é de homens que, através de uma fé
iluminada e vivida, façam com que Deus seja credível neste mundo.
O testemunho
negativo de cristãos que falavam de Deus mas viviam contra Ele, obscureceu a
imagem de Deus e abriu a porta para a incredulidade. Necessitamos, portanto, de
homens que tenham o olhar fixo em Deus, abram o coração, de maneira que sua
inteligência possa falar à inteligência dos outros e seu coração possa abrir o
coração dos demais.
Somente através
de homens que tenham sido como que “tomados por Deus”, Deus poderá voltar a
estar presente entre os homens.
Necessitamos de homens como Bento de Núrsia,
que, em uma época de dissipação e decadência, penetrou na solidão mais
profunda, conseguindo depois de todas as purificações que teve que sofrer,
levantar-se até à luz, regressar e fundar Montecassino, a cidade sobre o monte
que, entre tantas ruínas, reuniu as forças com que formou um mundo novo.
Deste modo
Bento, como Abraão, chegou a ser pai de muitos povos. As recomendações a seus
monges, apresentadas no final de sua “Regra” são indicações que nos mostram,
também a nós, o caminho que conduz ao alto, a sair da crise e dos escombros.
“Assim como há um mau zelo de amargor que separa de Deus e conduz ao inferno,
há também um zelo bom que separa dos vícios e conduz a Deus e à vida eterna.
Pratiquem pois os monges este zelo com a mais ardente caridade, isto é, “antecipem-se
em honras uns aos outros”; tolerem-se com suma paciência suas fraquezas, tanto
corporais como morais .... pratiquem castamente a caridade fraterna; temam a
Deus com amor; ... e nada absolutamente anteponham a Cristo, que nos conduza
todos juntos para a vida eterna” (RB 72).
Sim, Bento foi
exemplo luminoso de santidade e indicou aos monges Cristo como único grande
ideal; foi mestre de civilização que, propondo uma equilibrada e adequada visão
das exigências divinas e das finalidades últimas do homem, teve sempre muito
presentes também as necessidades e as razões do coração, para ensinar e
suscitar uma fraternidade autêntica e constante, para que no conjunto dos
relacionamentos sociais não se perdesse de vista uma unidade de espírito capaz
de construir e alimentar sempre a paz.
Homilia do Papa
Bento XVI na Celebração das Vésperas com os Abades Beneditinos e a Comunidade
de Monges e Monjas, na Visita Pastoral a Cassino e a Montecassino (Domingo,
Solenidade da Ascensão do Senhor, Basílica da Abadia de Montecassino, 24 de
Maio de 2009)
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