Estava a Mãe dolorosa, Junto da cruz lacrimosa, enquanto Jesus sofria.
Uma longa e fria espada, nessa hora atribulada, o seu coração feria.
Oh quão triste e tão aflita Padecia a Mãe bendita, entre blasfêmias e
pragas, ao olhar o Filho amado, de pés e braços pregado, sangrando das Cinco
Chagas!
Quem é que não choraria, ao ver a Virgem Maria, rasgada em seu coração, sem
poder em tal momento, conter as fúrias do vento e os ódios da multidão!
Firme e heroica no seu posto, viu Jesus pendendo o rosto, soltar o
alento final.
Ó Cristo, por vossa Mãe, que é nossa Mãe também, Dai-nos a palma
imortal.
Maria, fonte de amor, fazei que na vossa dor Convosco eu chore também.
Fazei que o meu coração seja todo gratidão a Cristo de quem sois Mãe.
Do vosso olhar vem a luz que me leva a ver Jesus na sua imensa agonia.
Convosco, ó Virgem, partilho das penas do vosso Filho, em quem minha alma
confia.
Mãos postas, à vossa beira, saiba eu, a vida inteira, guiar por Vós os
meus passos. E quando a noite vier, eu me sinta adormecer no calor dos vossos
braços.
Virgem das Virgens, Rainha, Mãe de Deus, Senhora minha, chorar convosco
é rezar. Cada lágrima chorada lembra uma estrela tombada do fundo do vosso
olhar.
No Calvário, entre martírios, fostes o Lírio dos lírios, todo orvalhado
de pranto. Sobre o ódio que O matava, fostes o amor que adorava O Filho três
vezes santo.
A cruz do Senhor me guarde, de manhã até à tarde, a minha alma contrita.
E quando a morte chegar, que eu possa ir repousar à sua sombra bendita.
BENDITA SEJA A VIRGEM MARIA, QUE, SEM PASSAR PELA MORTE, MERECEU A PALMA
DO MARTÍRIO, AO PÉ DA CRUZ DO SENHOR.
Jo 19, 25-27
“EIS O TEU FILHO...EIS A TUA MÃE”
Naquele tempo, estavam junto à cruz de Jesus sua Mãe, a irmã de sua Mãe,
Maria, mulher de Cleofas, e Maria Madalena. Ao ver sua Mãe e o discípulo
predileto, Jesus disse a sua Mãe: “Mulher, eis o teu filho”. Depois disse ao
discípulo: “Eis a tua Mãe”. E a partir daquela hora, o discípulo recebeu-a em
sua casa. Palavra da salvação.
“Estava sua mãe junto à cruz. O martírio da Virgem é mencionado tanto na profecia de Simeão quanto no
relato da paixão
do Senhor. Este foi posto, diz o santo ancião sobre o menino,
como um sinal de contradição, e a Maria: e uma espada traspassará tua
alma Lc 2,34-35.
Verdadeiramente, ó santa Mãe, uma espada traspassou tua alma. Aliás,
somente
traspassando-a, penetraria na carne do Filho. De fato, visto que o teu
Jesus – de todos certamente, mas especialmente teu – a lança cruel, abrindo-lhe
o lado sem poupar um morto, não atingiu a alma dele, mas ela traspassou a tua
alma. A alma dele já ali não estava, a tua, porém, não podia ser arrancada
dali. Por isto a violência da dor penetrou em tua alma e nós te proclamamos,
com justiça, mais do que mártir, porque a compaixão ultrapassou a dor da paixão
corporal.
E pior que a espada, traspassando a alma, não foi aquela palavra que
atingiu até a divisão entre a alma e o espírito: Mulher, eis aí teu
filho? (Jo 19,26). Oh! que troca incrível! João, Mãe, te é entregue em vez de Jesus, o servo em lugar do
Senhor, o discípulo pelo Mestre, o filho de Zebedeu pelo Filho de Deus, o puro
homem, em vez do Deus
verdadeiro.
Como ouvir isto deixaria de traspassar tua alma tão
afetuosa, se até a sua lembrança nos corta os corações, tão de pedra, tão de
ferro?
Não vos admireis, irmãos, que se diga ter Maria sido mártir na alma. Poderia
espantar-se quem não se recordasse do que Paulo afirmou que entre os maiores
crimes dos gentios estava o de serem sem afeição. Muito longe do
coração de Maria tudo isto; esteja também longe de seus servos.
Talvez haja quem pergunte: “Mas não sabia ela de antemão que iria ele
morrer?” Sem dúvida alguma. “E não esperava que logo ressuscitaria?” Com
toda a confiança.
“E mesmo assim sofreu com o Crucificado?” Com toda a veemência. Aliás, tu
quem és ou donde tua sabedoria, para te admirares mais de Maria que compadecia,
do que do Filho de Maria a padecer?
Ele pôde morrer no corpo; não podia ela
morrer juntamente no coração? É obra da caridade: ninguém a teve
maior! Obra de caridade também isto: depois dela nunca houve igual.
Dos Sermões de
São Bernardo, abade
(Sermo in dom.
infra oct. Asumptionis -
Séc.XII)
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