Este
texto coloca, fundamentalmente, o problema da atitude do homem face a Deus.
Desautoriza completamente aqueles que se apresentam diante de Deus carregados
de autossuficiência, convencidos da sua "bondade", muito certos dos
seus méritos, como se pudessem ser eles a exigir algo de Deus e a ditar-Lhe as
suas condições; propõe, em contrapartida, uma atitude de reconhecimento humilde
dos próprios limites, uma confiança absoluta na misericórdia de Deus e uma
entrega confiada nas mãos de Deus. É esta segunda atitude que somos convidados
a assumir.
Este
texto coloca, também, a questão da imagem de Deus... Diz-nos que Deus não é um
contabilista, uma simples máquina de recompensas e de castigos, mas que é o
Deus da bondade, do amor, da misericórdia, sempre disposto a derramar sobre o
homem a salvação (mesmo que o homem não mereça) como puro dom. A única condição
para "ser justificado" é aceitar humildemente a oferta de salvação
que Ele faz.
A
atitude de orgulho e de autossuficiência, a certeza de possuir qualidades e
méritos em abundância, acaba por gerar o desprezo pelos irmãos. Então, criam-se
barreiras de separação (de um lado os "bons", de outro os
"maus"), que provocam segregação e exclusão... Isto acontece com
alguma frequência nas nossas comunidades cristãs (e até em muitas comunidades
religiosas). Como entender isto, à luz da parábola que Jesus hoje nos propõe?
Nos
últimos séculos os homens desenvolveram, a par de uma consciência muito
profunda da sua dignidade, uma consciência muito viva das suas capacidades.
Isto levou-os, com frequência, à presunção da sua auto-suficiência... O
desenvolvimento da tecnologia, da medicina, da química, dos sistemas políticos
convenceram o homem de que podia prescindir de Deus pois, por si só, podia ser
feliz. Onde nos tem conduzido esta presunção? Podemos chegar à salvação, à
felicidade plena, apenas pelos nossos próprios meios?
Este
fariseu não é nada simpático, olhando
apenas os seus méritos, tomando-se por modelo de virtudes! Este publicano, que
exemplo de humildade! Não se coloca à frente, baixa os olhos, reconhece-se
pecador! Atenção! Não andemos demasiado depressa! O fariseu é um homem
profundamente religioso, habitado pela preocupação em obedecer à Lei de Deus.
Vai ao Templo para rezar e a sua fé impregna toda a sua vida. Mais ainda, dá à
sua fé uma cor de ação de graças.
E Jesus não havia dito "aquele que violar
um dos menores preceitos da Lei será tido como o menor no Reino"?
O publicano, ao contrário, fica à distância, porque lhe é proibido
entrar no Templo. É um colaborador dos Romanos, contaminado pela impureza dos
pagãos. E é um "ladrão profissional", como Zaqueu! Finalmente, o
fariseu tem razão em experimentar um sentimento de desprezo para com este
publicano que todo o mundo detesta.
Leiamos
mais atentamente. O que está no centro da parábola não é o fariseu nem o
publicano. É Deus. Deus deu a Lei a Moisés, mas nunca disse que Se identificava
pura e simplesmente com os preceitos jurídicos. Pelo contrário, com os
profetas, não pára de dizer que é um Deus que não faz senão amar o seu povo. É
esse traço do rosto de Deus que Jesus veio não somente privilegiar, mas colocar
à frente de todos os outros aspectos. O seu nome é Pai. Jesus dirá: "É a
misericórdia que eu quero, não os sacrifícios". Com o fariseu, Deus não
tem mais nada a fazer: ele é justo em si mesmo. O publicano, não tendo qualquer
mérito a dar, só tem a receber. E justamente Deus quer dar, dar-Se,
gratuitamente. Ele pode então "ajustar" o publicano ao seu amor.
Finalmente, somos convidados, nós também, a perguntar em que Deus acreditamos.