1.
As nações caminharão à tua luz (Is 60, 3). Nas palavras do profeta Isaías já
ressoa, como expectativa ardente e esperança luminosa, o eco da Epifania.
Precisamente a ligação a esta solenidade permite-nos perceber melhor o carácter
missionário deste domingo. A profecia de Isaías, com efeito, alarga à
humanidade inteira a perspectiva da salvação, e desse modo também o gesto
profético dos Magos do Oriente que, ao irem adorar o Menino divino nascido em
Belém (cf. Mt 2, 1-12), anunciam e inauguram a adesão dos povos à mensagem de
Cristo.
Todos
os homens são chamados a acolher na fé o Evangelho que salva. A Igreja é
enviada a todos os povos, a todas as terras e culturas: «Ide... fazei com que
todos os povos se tornem Meus discípulos, baptizando-os em nome do Pai, do
Filho e do Espírito Santo, e ensinando-os a cumprir tudo quanto vos tenho
mandado» (Mt 28 19-20). Estas palavras, pronunciadas por Cristo antes de subir
ao céu, juntamente com a promessa feita aos Apóstolos e aos sucessores de estar
com eles até ao fim do mundo (cf. Mt 28, 20), constituem a essência do mandato
missionário; na pessoa dos seus ministros, é Cristo mesmo que vai ad gentes, a
quantos ainda não receberam o anúncio da fé.
2.
Teresa Martin, Carmelita descalça de Lisieux, desejava ardentemente ser
missionária. E foi-o, a ponto de poder ser proclamada Padroeira das Missões. O
próprio Jesus lhe mostrou como haveria de viver essa vocação: praticando em
plenitude o mandamento do amor, haveria de imergir-se no coração mesmo da
missão da Igreja, sustentando os anunciadores do Evangelho com a força
misteriosa da oração e da comunhão. Assim, ela realizava quanto é ressaltado
pelo Concílio Vaticano II, quando ensina que a Igreja é missionária por sua
natureza (cf. Ad gentes, 2). Não só aqueles que optam pela vida missionária,
mas todos os baptizados são de algum modo enviados ad gentes.
Por
este motivo eu quis escolher este domingo missionário para proclamar Santa
Teresa do Menino Jesus e da Santa Face Doutora da Igreja universal: uma mulher,
uma jovem, uma contemplativa.
3.
A ninguém passa despercebido, portanto, que hoje está a realizar-se algo de
surpreendente. Santa Teresa de Lisieux não pôde frequentar uma Universidade e
nem sequer os estudos sistemáticos. Morreu jovem: entretanto, a partir de hoje
será honrada como Doutora da Igreja, qualificado reconhecimento que a eleva na
consideração da inteira comunidade cristã, muito para além de quanto possa
fazê-lo um «título académico ».
Com
efeito, quando o Magistério proclama alguém Doutor da Igreja, tem em vista
indicar a todos os fiéis, e de modo especial a quantos na Igreja prestam o
fundamental serviço da pregação ou exercem a delicada tarefa da investigação e
do ensino teológico, que a doutrina professada e proclamada por uma determinada
pessoa pode ser um ponto de referência, não só porque está em conformidade com
a verdade revelada, mas também porque traz nova luz acerca dos mistérios da fé,
uma compreensão mais profunda do mistério de Cristo. O Concílio recordou-nos
que, sob a assistência do Espírito Santo, cresce continuamente na Igreja a
compreensão do «depositum fidei», e para esse processo de crescimento contribui
não só o estudo rico de contemplação, a que são chamados os teólogos, nem só o
Magistério dos Pastores, dotados do «carisma certo da verdade», mas também
aquela «profunda inteligência das coisas espirituais» que é dada mediante a
experiência, com riqueza e diversidade de dons, a quantos se deixam guiar com
docilidade pelo Espírito de Deus (cf. Dei Verbum, 8). A Lumen gentium, por sua
vez, ensina que nos Santos «Deus mesmo nos fala» (n. 50). É por isso que, em
vista do aprofundamento dos mistérios divinos, que permanecem sempre maiores
que os nossos pensamentos, é atribuído um valor especial à experiência
espiritual dos Santos, e não é por acaso que a Igreja escolhe unicamente entre
eles, a quantos quer atribuir o título de «Doutor».
4.
Entre os «Doutores da Igreja», Teresa do Menino Jesus e da Santa Face é a mais
jovem, mas o seu ardente itinerário espiritual demonstra muita maturidade, e as
intuições da fé expressas nos seus escritos são tão vastas e profundas, que a
tornam digna de ser posta entre os grandes mestres espirituais.
Na
Carta Apostólica que escrevi para esta ocasião, ressaltei alguns aspectos
salientes da sua doutrina. Mas como não evocar aqui o que se pode considerar o
ápice, a partir da narração da descoberta surpreendente que ela fez da sua
particular vocação na Igreja «A caridade — escreve ela — ofereceu-me a chave da
minha vocação. Compreendi que, se a Igreja apresenta um corpo formado por
membros diferentes, não lhe falta o mais necessário e mais nobre de todos;
compreendi que a Igreja tem um coração, um coração ardente de amor; compreendi
que só o amor fazia actuar os membros da Igreja e que, se o amor viesse a
extinguir-se, nem os Apóstolos continuariam a anunciar o Evangelho, nem os
mártires a derramar o seu sangue; compreendi que o amor encerra em si todas as
vocações... Então, com a maior alegria da minha alma arrebatada, exclamei:
Jesus, meu amor! Encontrei finalmente a minha vocação. A minha vocação é o
amor!» (Manuscritos autobiográficos). Eis uma página admirável que, por si só,
é suficiente para mostrar que se pode aplicar a Santa Teresa a passagem do
Evangelho que ouvimos na liturgia da Palavra: «Bendigo-Te, ó Pai, Senhor do céu
e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e aos entendidos e as
revelaste aos pequeninos » (Mt 11, 25)
5.
Teresa de Lisieux não só compreendeu e descreveu a profunda verdade do Amor
como o centro e o coração da Igreja, mas viveu-a com intensidade na sua breve
existência. É justamente esta convergência entre a doutrina e a experiência
concreta, entre a verdade e a vida, entre o ensinamento e a prática, que
resplandece com uma particular clareza nesta Santa, e que a torna um modelo
atraente de forma especial para os jovens e para aqueles que estão em busca do
verdadeiro sentido a dar à própria vida.
Diante
do vazio de tantas palavras, Teresa apresenta outra solução, a única Palavra da
salvação que, compreendida e vivida no silêncio, se torna uma fonte de vida
renovada. A uma cultura racionalista e com muita frequência impregnada de um
materialismo prático, ela opõe com uma desarmante simplicidade a «pequena via»
que, retornando ao essencial, conduz ao segredo de toda a existência: o Amor
divino que envolve e imbui a inteira aventura humana. Num tempo como o nosso,
muitas vezes marcado pela cultura do efémero e do hedonismo, esta nova Doutora
da Igreja mostra-se dotada duma singular eficácia, para esclarecer o espírito e
o coração daqueles que têm sede de verdade e de amor.
6.
Santa Teresa é apresentada como Doutora da Igreja no dia em que celebramos a
Jornada Mundial das Missões. Ela teve o ardente desejo de se consagrar ao
anúncio do Evangelho e quereria coroar o seu testemunho com o supremo
sacrifício do martírio (cf. Manuscritos autobiográficos). Sabe-se também com
que intenso empenho pessoal ela susteve o trabalho apostólico dos Padres
missionários Maurício Bellière e Adolfo Roulland, um em África e outro na
China. No seu impulso de amor pela evangelização, Teresa só tinha um ideal,
como ela mesma diz: «O que Lhe pedimos, é para trabalhar pela Sua glória,
amá-l’O e fazer com que seja amado» Carta 220).
O
caminho que percorreu para chegar a este ideal de vida não é o dos grandes
empreendimentos reservados a um pequeno número mas, ao contrário, uma via ao
alcance de todos, a «pequena via», caminho da confiança e do abandono total de
si mesma à graça do Senhor. Não se trata de uma via a ser banalizada, como se
fosse menos exigente. Na realidade ela é exigente, como o é sempre o Evangelho.
Mas é uma via impregnada do sentido do abandono confiante à misericórdia
divina, que torna suave até mesmo o mais rigoroso empenho espiritual.
Por
esta via, na qual recebe tudo como «graça», devido ao facto de pôr no centro de
tudo a sua relação com Cristo e a sua escolha do amor, em virtude do lugar dado
também aos impulsos do coração no seu itinerário espiritual, Teresa de Lisieux
é uma Santa que permanece jovem, apesar dos anos que passam, e é proposta como
um modelo eminente e uma guia no caminho dos cristãos para o nosso tempo, que
chega ao terceiro milénio.
7.
Grande é, por isso, a alegria da Igreja, neste dia que coroa as expectativas e
as orações de tantos que intuíram, com a riqueza do Doutoramento, este especial
dom de Deus e lhe favoreceram o reconhecimento e o acolhimento. Por isso, todos
juntos desejamos dar graças ao Senhor, e de modo particular com os professores
e os estudantes das Universidades eclesiásticas romanas, que precisamente
nestes dias iniciaram o novo Ano académico.
Sim,
ó Pai, nós Vos bendizemos, juntamente com Jesus (cf. Mt 11, 25), porque
escondestes os Vossos segredos «aos sábios e aos entendidos» e os revelastes a
esta «pequenina», que hoje propondes de novo à nossa atenção e à nossa
imitação. Obrigado pela sabedoria que lhe destes, tornando-a para a Igreja
inteira uma singular testemunha e mestra de vida!
Obrigado
pelo amor que derramastes sobre ela, e que continua a iluminar e aquecer os
corações, impelindo-os à santidade!
O
desejo que Teresa exprimiu, de «passar o seu Céu fazendo o bem sobre a terra»
(cf. ed. it. das Obras Completas, pág. 1050), continua a realizar-se de modo
maravilhoso.
Obrigado,
ó Pai, porque hoje a tornais próxima de nós a novo título, para louvor e glória
do Vosso nome nos séculos.
Amém!
Fonte:
w2.vatican.va