quinta-feira, outubro 03, 2019

SEIS LIÇÕES DOS MÁRTIRES DE CUNHAÚ E URUAÇU AOS CATÓLICOS DO BRASIL - PARTE 1










Nos povoados de Cunhaú e Uruaçu, no estado do Rio Grande do Norte, em 1645, aconteceu um massacre perpetrado por invasores holandeses protestantes. Nesse episódio, morreram mártires inúmeros católicos, dentre os quais a Igreja elevou à honra dos altares 30 nomes: os sacerdotes André de Soveral e Ambrósio Francisco Ferro, e incontáveis leigos, como Mateus Moreira, Estêvão Machado de Miranda e outros.


A memória desses santos, homens e mulheres de fé, deve ser celebrada em todo o Brasil no dia 3 de outubro, mas, infelizmente, poucos conhecem a sua história e menos ainda as lições que ela tem a nos passar.

1. Em primeiro lugar, o martírio de Cunhaú nos recorda a ligação íntima que os católicos têm com a Santa Missa dominical, ligação conhecida inclusive pelos inimigos da Igreja.

O morticínio que lá aconteceu, no dia 16 de julho, um domingo, foi precedido de uma convocação no dia anterior. Um servidor dos holandeses chamado Jacó Rabe e “conhecido de todos pelas suas frequentes incursões por aquelas paragens” convocou, através de editais fixados nas portas da Igreja, todos os habitantes para uma reunião após a missa, a fim de transmitir-lhes ordens emanadas pelo Alto e Secreto Conselho Holandês. A intenção era aparentemente pacífica. Por isso, os moradores não levaram armas consigo porque, além de ser proibido o porte de armas pelas autoridades holandesas, tratava-se do cumprimento do preceito da missa dominical [1].

Ainda hoje, em muitos lugares da África e do Oriente Médio, os cristãos são com muita frequência vitimados justamente no domingo, durante a Missa. Alvos de terroristas muçulmanos, igrejas são bombardeadas e inúmeras pessoas mortas de uma vez só, enquanto oferecem a Deus o seu domingo, recordando a ressurreição de Nosso Senhor.

Nos países mais secularizados, porém, essa identidade está cada vez mais sob ameaça. A tendência é o ateísmo ou, quando muito, a adoção de uma crença intimista, que de católica tem muito pouco ou quase nada. Como consequência, as pessoas não vão mais à igreja, abandonam o culto público a Deus e levam a vida mais ou menos do mesmo modo: como se Ele não existisse.

A esta nossa época que se esqueceu de Deus é preciso lembrar: participar da Missa aos domingos é não só um preceito para os católicos, que estão obrigados a fazê-lo sob pena de pecado grave (para os que ainda acreditam em pecado, é claro), mas também um sinal muito forte de nossa pertença a Cristo e à Santa Igreja Católica. No mundo inteiro, no mesmo dia, professando a mesma fé e unidos sob a autoridade dos mesmos pastores, os católicos rezam juntos por suas vidas, suas famílias e pela salvação do mundo.

As pessoas que não vão mais à igreja, abandonando o culto público a Deus, terminam levando a vida do mesmo modo: como se Ele não existisse.

2. Mas voltemos ao relato do dia 16 de julho. Os calvinistas holandeses, em conluio com os indígenas, nem esperaram a Missa terminar para começarem a matança dos católicos.

Após a consagração e a elevação da hóstia e do cálice, os fiéis foram tomados de grande espanto quando entraram no recinto da igreja Jacó Rabe à frente de um bando de soldados holandeses e índios tapuias e potiguares, todos bem armados.

As portas foram trancadas e a missa foi interrompida. Começou a grande chacina: foram trucidados e mortos o Padre André de Soveral e todos os que estavam na igreja, aproximadamente sessenta e nove pessoas.

Foram cenas de grande atrocidade: os fiéis em oração, tomados de surpresa e completamente indefesos, foram covardemente atacados e mortos pelos flamengos com a ajuda dos tapuias e dos potiguares [2].

Ao matarem deste modo os católicos potiguares, logo “após a consagração e a elevação da hóstia e do cálice”, os algozes protestantes nos apontam sem querer  para uma segunda lição, contida na doutrina católica sobre a Santa Missa: em toda celebração eucarística, atualiza-se sobre o altar o único sacrifício que Cristo ofereceu na cruz pela remissão dos pecados do mundo inteiro, e a esse sacrifício nós somos chamados a unir-nos, não só na oração da Missa, mas também com nossa vida.

Os mártires de Cunhaú tiveram essa oportunidade. Logo depois de ser oferecido de maneira incruenta pelo sacerdote “o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo”, ofereceu-se na mesma igreja o sacrifício cruento dos fiéis, isto é, com derramamento de sangue. O Calvário se repetia novamente, agora no Brasil: antes havia sido a Cabeça, agora padecia o Corpo; naquele dia, as vítimas inocentes, ao invés de comungarem sacramentalmente, fizeram-no na carne, com seu sofrimento e sua morte.

Se a nossa vida não for também um oferecimento a Deus, como o desses mártires, não seremos capazes de compreender a fundo o mistério da Eucaristia. Aqui vale um ensinamento do venerável arcebispo norte-americano Fulton Sheen:

A Comunhão não é apenas uma incorporação na vida de Cristo, mas também uma incorporação na sua morte. [...] Acaso poderíamos receber toda a vida de Cristo, sem lhe darmos nada em troca? Acaso poderíamos esgotar o cálice, sem contribuir com algo para enchê-lo? Devemos receber o pão, sem oferecer o grão que deve ser moído; receber o vinho, sem dar as uvas que devem ser esmagadas? Se durante a nossa vida fôssemos sempre à Comunhão para receber a vida divina, e a levássemos conosco sem deixar nada em troca, seríamos parasitas do Corpo Místico de Cristo [3].
Mas de que espécie de oferecimento estaríamos falando? Seria necessário nos tornarmos mártires pelo sangue? Fulton Sheen responde:

Devemos, pois, levar conosco, para a mesa da Eucaristia, o espírito de sacrifício, a mortificação da inferioridade do nosso ser, as cruzes suportadas com paciência, a crucificação do nosso egoísmo, a morte da nossa concupiscência e inclusive a nossa falta de méritos para receber a Comunhão. Só nestas circunstâncias a Comunhão será o que realmente sempre deve ser [4].

Assim, ainda que não venhamos a entregar a nossa vida como esses valorosos homens de Deus, nem por isso estamos dispensados do chamado “martírio branco”, morrendo para nós mesmos nas pequenas coisas do dia a dia.

3. Prosseguindo agora para o relato do martírio de Uruaçu, ocorrido no dia 3 de outubro, vejam todos se não é de uma crueldade estarrecedora o que se deu:

Logo chamaram aos brasilianos para os matar, o que se executou logo, fazendo nos corpos destes mártires tais anatomias que são incríveis; e não contentes com elas os ditos flamengos os ajudaram a matar, assim arrancando os olhos a uns, e tirando as línguas a outros, e cortando as partes vergonhosas, e metendo-lhas nas bocas [5].

Aqueles fiéis católicos, porém, mesmo padecendo todas essas torturas, como morriam? “Pedindo a Deus que tivesse deles misericórdia, e lhes perdoasse suas culpas e pecados, protestando que morriam firmes na santa fé católica crendo o que cria a Santa Madre Igreja de Roma” [6].

Com isso, aprendemos uma terceira lição: a de que, ao contrário do que prega um cristianismo “moderno”, não só não é verdade que todas as religiões são iguais, como dentro do próprio cristianismo não vale tudo. Dizer que tanto faz, por exemplo, ser católico ou protestante, é rir no túmulo dos mártires de Uruaçu, que preferiram morrer a abjurar da fé católica.

Mas por que não conseguimos entender mais a atitude dos mártires? Por que para nossos contemporâneos o massacre de Cunhaú e Uruaçu não passa de um episódio político ou de “intolerância religiosa”, sem nenhum significado maior? Porque, tragicamente, muitos deixaram de crer “na Santa Igreja Católica”, como professamos no Credo.

Quando não se acredita mais que a religião católica contém a verdade revelada por Deus para a nossa salvação, uma das primeiras coisas que se relativiza é o sangue dos mártires. Se todas as religiões são iguais, se tanto faz ir a uma igreja católica, a um templo protestante ou a um terreiro de umbanda, a verdade é que os mártires do Rio Grande do Norte morreram em vão e, com eles, toda uma multidão de homens e mulheres cultuados nos altares da Igreja.

Todos eles, no entanto, realmente acreditavam que era melhor morrer do que abandonar a fé católica e pecar contra Deus. Com isso, deram um testemunho eloquente da verdade que professavam. Por essa razão, o sangue deles é chamado “semente de novos cristãos”, porque as pessoas de fora da Igreja, vendo com que destemor os de dentro não hesitaram em dar a própria vida pelo que acreditavam, acabam convencidas da verdade e fazem-se católicos.

Fonte: padrepauloricardo.org