4.
Entre as vítimas de Uruaçu, algumas receberam um tratamento especialmente
cruel: os sacerdotes. Conforme os relatos da época, “o Pe. Ambrósio Francisco
Ferro foi mais barbaramente atingido por causa de sua condição de sacerdote”
[7]. Os outros 27 mártires canonizados eram leigos.
Disso
se extrai uma quarta lição para nós, católicos: os sacerdotes são revestidos na
Igreja de uma dignidade superior. O próprio inimigo o reconhece. Assim como
foram eles os mais ferozmente atacados pelos hereges, quando Satanás procura
destruir a Igreja, é contra os padres que ele investe de maneira especial.
O
Santo Cura d’Ars explicava com muita simplicidade a importância do padre:
Sem
o sacramento da Ordem, não teríamos o Senhor. Quem O colocou ali naquele
sacrário? O sacerdote. Quem acolheu a vossa alma no primeiro momento do
ingresso na vida? O sacerdote. Quem a alimenta para lhe dar a força de realizar
a sua peregrinação? O sacerdote. Quem há de prepará-la para comparecer diante
de Deus, lavando-a pela última vez no Sangue de Jesus Cristo? O sacerdote,
sempre o sacerdote. E se esta alma chega a morrer [pelo pecado], quem a
ressuscitará, quem lhe restituirá a serenidade e a paz? Ainda o sacerdote. […]
Depois de Deus, o sacerdote é tudo! […] Ele próprio não se entenderá bem a si
mesmo, senão no Céu [8].
Grandioso
é o sacerdócio católico e, no entanto, quem foi que o revestiu de tamanha
dignidade? Teria sido porventura a Igreja, ao longo dos séculos, “desejosa de
poder”, como muitos pintam? Não, foi o próprio Cristo, ao eleger os Apóstolos,
instituiu a hierarquia na Igreja. Quem observar a sua vida e o seu ministério
público verá que por três anos o Senhor passou ensinando o povo, sim,
curando-lhes as enfermidades, também; mas poderes especiais e outros
ensinamentos específicos, só aos Apóstolos Ele reservou; o poder de consagrar a
Eucaristia e absolver os pecadores, só a seus sacerdotes Ele confiou.
Se
o próprio Deus feito carne instituiu o sacerdócio e cercou-o de tais
privilégios, com que respeito e veneração não deveríamos pensar nos padres!
Diante dos escândalos que infelizmente acontecem no clero, nossa época corre o
risco de não dar o devido valor a essa pedra preciosa com que Cristo ornou a
Igreja. A grande tentação de Satanás é fazer-nos desacreditar dos padres, para
que, perdendo a fé no que eles são, percâmo-la também no Cristo que eles
consagram e no perdão que eles ministram.
5.
Por falar do sacramento da Eucaristia, foi justamente com uma profissão de fé
na presença real de Jesus neste Santíssimo que morreu o mais famoso leigo dos
mártires de Uruaçu: São Mateus Moreira. A ele “abriram pelas costas, e lhe
tiraram também o coração e as últimas palavras, estando neste martírio, que
disse, foram louvar a Deus, dizendo: Louvado seja o Santíssimo Sacramento” [9].
Desse
testemunho tiramos uma quinta lição: quem está presente nos sacrários de nossas
igrejas não é ninguém mais, ninguém menos do que o próprio Filho de Deus, a
quem nós confessamos “nascido do Pai antes de todos os séculos, Deus de Deus,
Luz da Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado, por quem
todas as coisas foram feitas”.
O
hábito de ir à Missa, especialmente para quem frequenta todos os dias este
sacramento, pode criar uma “rotina” e fazer-nos esquecer da “sarça ardente” de
que nos aproximamos quando subimos ao altar de Deus. Que o coração
violentamente retirado do corpo de São Mateus Moreira nos faça lembrar com
quanta violência também nós devemos sacar de nosso corpo a frieza, a mornidão e
a indiferença na hora de receber a Sagrada Comunhão…!
6.
Registremos, por fim, o martírio da família de Santo Estêvão Machado de
Miranda, da qual podemos aprender uma sexta e derradeira lição para nossas
vidas:
Casado
com dona Bárbara, filha de Antônio Vilela Cid, [Estêvão] estava acompanhado da
esposa, que foi poupada, e de quatro filhas, duas das quais foram sacrificadas
juntas com o pai, e duas permaneceram vivas. Entre as que morreram, uma era
criancinha de colo, com apenas dois meses, sendo a vítima mais jovem de todo o
grupo de mártires. Da outra filha de Estêvão Machado, também martirizada, não
se diz a idade. Quanto às duas que foram poupadas, conta-se que uma menina de
sete anos abraçava-se ao pai, na hora da execução, e suplicava com grandes
lamentações que não tirassem a vida de seu genitor.
Estêvão
disse à menina: “Filha, diz a tua mãe que se fique embora, que no outro mundo
nos veremos”. Depois do pai morto a menina cobriu-lhe o rosto com a saia,
chorando e pedindo que também a matassem. Os algozes “trouxeram a menina à sua
mãe, e ela, e os mais contaram o caso” [10].
As
últimas palavras de Estêvão (também ele protomártir) ensinaram à filha e
ensinam a nós que, para um católico, a existência mais importante não é esta que
passamos neste mundo, mas sim a do Céu. “Se é só para esta vida que temos
colocado a nossa esperança em Cristo”, diz o Apóstolo, “somos de todos os
homens os mais dignos de lástima” (1Cor 15, 19).
É
por isso que os cristãos devem lutar para educar bem e santamente os seus
filhos; ou melhor, é por isso que eles devem tê-los em primeiro lugar. “Se Deus
quis as gerações dos homens”, escreve o Papa Pio XI, “não foi somente para que
eles existissem e enchessem a terra, mas para que honrassem a Deus, O conhecessem,
O amassem e O gozassem eternamente no Céu”. Por isso, os pais católicos,
iluminados pela graça, têm de compreender que
não
são destinados só a propagar e conservar na terra o gênero humano e não só
também a formar quaisquer adoradores do verdadeiro Deus, mas a dar filhos à
Igreja, a procriar concidadãos dos santos e familiares de Deus (cf. Ef 2, 19),
a fim de que o povo dedicado ao culto do nosso Deus e Salvador cresça cada vez
mais, de dia para dia [11].
Que
Santo Estêvão Machado, que entregou heroicamente a vida na frente da esposa e
das filhas, interceda do Céu pelas famílias brasileiras, para que também nós
sacrifiquemos nosso tempo, nosso conforto e nosso trabalho pela salvação de
nossas casas. É a única forma de restaurarmos a fé nesta Terra de Santa Cruz. É
a única forma de imitarmos verdadeiramente estes santos protomártires do
Brasil.
Fonte:
padrepauloricardo.org