É inegável o seu significado para o povo brasileiro e o seu impacto na
vida social, em nosso país. As posturas opostas de defesa da Copa e
de crítica severa à sua realização sinalizam a sua ambivalência e a necessidade
de discernimento atento de seus valores e problemas, de suas potencialidades e
efeitos perversos.
É preciso distinguir serenamente o valor do esporte e particularmente do
futebol, o evento Copa do mundo nos padrões da FIFA e, por fim, a sua
realização no Brasil de hoje.
Refletir sobre o significado destes diferentes níveis é tarefa muito
exigente. A
Copa tem mexido com o Brasil de modo inusitado, suscitando a crítica acirrada
que vem das ruas e de movimentos sociais.
O país do futebol revelou ao mundo
que é preciso repensar as regras do jogo, não mais circunscritas às partidas e
dependentes dos juízes em campo. As regras que regem as renas políticas.
As
regras adotadas pela FIFA para programar a Copa. É preciso “jogar” diferente
fora do campo de futebol, recusando jogadas violentas ou desonestas, para
marcar os gols tão esperados: a justiça, a paz, a dignidade humana, os direitos
à saúde, à educação, ao transporte, etc. Tal “jogo” necessita não apenas de
espectadores, mas principalmente de jogadores e torcedores pela vida, pela
justiça e paz. Esta é condição para que a alegria dos estádios possa ecoar
pelas ruas.
O grito das torcidas nos estádios tem sido precedido pelo grito de
setores da população nas ruas. A escuta, a reflexão e o diálogo atento
às urgências do povo brasileiro devem continuar e se intensificar após a Copa.
Seria ingenuidade pensar que a Copa resolveria os velhos e graves
problemas do Brasil; porém, seria grave erro ignorar as justas reivindicações
e perder a ocasião para levar a sério os problemas sociais colocados em
pauta.
Conforme afirma o Papa Francisco “as reivindicações sociais, que tem a
ver com a distribuição da riqueza, com a inclusão social dos pobres e com
os direitos humanos, não podem ser sufocadas a pretexto de construir um
consenso de gabinete ou uma paz efêmera para uma minoria feliz”.
(Exortação
Evangelii Gaudium, 218).
Entretanto, as contradições da Copa ou a negação de direitos sociais
fundamentais não justificam o recurso à violência, dentro ou fora dos estádios.
A
Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de Brasília tem levado às autoridades,
em particular àquelas incumbidas das ações de segurança pública, as suas
preocupações sobre essa questão, abrindo espaços de diálogo e de reflexão
em suas conversas sobre justiça e paz.
A “rua” é espaço legítimo para a reivindicação social, mas sem o recurso
à violência. O
exercício da segurança pública deve circunscrever-se aos
padrões democráticos.
A contribuição da sociedade civil organizada é fundamental para a
construção da justiça e da paz, neste período da Copa e depois dela.
A Igreja, através da CNBB, tem oferecido a sua colaboração através de
diretrizes pastorais que podem ser assim resumidas:
“1) acompanhar torcedores e jogadores nas suas demandas por momentos
de espiritualidade e encontro com Deus, bem como ser presença orante
durante toda a Copa;
2) acompanhar as populações vulneráveis, especialmente aquelas em
situação de rua, para que não sejam retiradas dos logradouros públicos durante
a Copa e depois devolvidos às ruas, como objetos que atrapalham a
realização do evento;
3) participar dos esforços por conscientização dos que nos visitam,
para que não pratiquem o turismo sexual mas sejam presença que valorize a
dignidade humana e a confraternização universal”.
Em sua mensagem sobre a Copa, a CNBB assim se manifestou: “O sucesso da
Copa do Mundo não se medirá pelos valores que injetará na economia local ou
pelos lucros que proporcionará aos seus patrocinadores. Seu
êxito estará na garantia de segurança para todos sem o uso da violência, no
respeito ao direito às pacíficas manifestações de rua, na criação de mecanismos
que impeçam o trabalho escravo, o tráfico humano e a exploração sexual,
sobretudo, de pessoas socialmente vulneráveis e combatam eficazmente o
racismo e a violência”. Este é o legado da Copa que tanto esperamos!
É justo alegrar-se com a maioria dos brasileiros, em torno da grande
expectativa que a Copa do Mundo de Futebol desperta. É
muito bom acolher fraternalmente e alegremente aos que nos visitam. Ao
mesmo tempo e com especial atenção, é necessário continuar a construir a
justiça social para se obter uma paz verdadeira e duradoura. Nesta tarefa imensa que ultrapassa o tempo regulamentar dos jogos e da
Copa, a fé cristã e a ética podem desempenhar papel fundamental.
Jogar pela paz, jogar pela vida, é imperativo ético que a todos
interpela. As
manifestações de religiosidade dos jogadores durante as partidas, apesar
de suas limitações ou ambivalências, nos recordam que a fé em Deus é
fundamental, nos campos de futebol ou nos gramados da vida.
CNBB
Dom Sérgio da
Rocha
Arcebispo de
Brasília (DF)
Artigo
publicado no jornal Correio Braziliense
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