Não
é desta vez que se apagará o pesadelo de 1950, a derrota amarga na
final para o Uruguai, em
pleno Maracanã , o mais simbólico “templo do futebol
brasileiro”. A seleção brasileira de futebol, neste terceiro milênio, provocou uma
nova ferida. Mas é importante recompor-se para dar um tratamento adequado ao atual
contexto do Brasil. Afinal, lutar pelos sonhos e, consequentemente, construir
conquistas, não só esportivas, mas, sobretudo, culturais, sociais e políticas,
exige efetiva atuação para transformar a realidade.
O sonho adiado não precisa mexer com os brios da cidadania brasileira. Não
se pode satisfazer a autoestima apenas com a organização do megaevento e com as
parciais conquistas na infraestrutura - reconhecendo que os sete anos de
preparação não fizeram jus ao esperado e merecido pelo povo. Se, nas vésperas
da Copa, a mídia exagerou ao anunciar um possível apagão aéreo, imobilidade no
tráfego e outras coisas, não deixou de ter razão ao sublinhar que ainda existe
uma dívida social. Esse débito não pode ser considerado pago pela bolsa família.
Nem pela ascensão social de grande parte da população, quando se consideram os
avanços necessários para se alcançar a condição social merecida pelos filhos
deste solo que é a Mãe Pátria Amada Brasil. É hora de reagir.
O desencantamento pelo futebol da seleção brasileira não pode levar à
desilusão. Até
porque ainda falta um jogo que pode significar a conquista do terceiro lugar. Não
tem valor grande, em um torneio esportivo dessa dimensão, estar entre os quatro
melhores do mundo ou ser o terceiro? Que sintoma é esse de só contentar-se em
ser o primeiro? Não será uma espécie de síndrome da glorificação? A única
seleção que já participou de todas as Copas, a única pentacampeã. São exemplares
os povos que receberam em festa suas seleções, mesmo desclassificadas, reconhecendo
o esforço e o bom desempenho dos atletas.
Diante da impossibilidade da conquista do título “em casa”, retoma-se a
reflexão sobre as razões que levaram à realização da Copa do Mundo de futebol
no Brasil. Agora
não importa se houve vaidade ou interesse político eleitoreiro. Nem mesmo pode-se
pensar que o torneio valeu para difundir uma imagem positiva do país. O fiasco
da goleada na semifinal revela fragilidades partilhadas não só pelo grupo de
jovens atletas que têm condições de ter mais êxito na arte do futebol, mas por todos os brasileiros. O “fiasco deles”,
portanto, não é só deles, mas de todos. Não apenas em razão do futebol, mas
especialmente pelo que falta em educação, cultura, seriedade, investimento,
política limpa, sentido de cidadania e tantas outras coisas que configuram o
funcionamento de nossa sociedade.
A goleada mexeu
com os brios da cidadania brasileira e não pode ser atribuída tão somente ao
desempenho dos jogadores. Eles são iguais aos demais jovens, filhos de nossas
famílias, amigos, conhecidos, estudantes, trabalhadores, sofredores. Embora sejam
“estrelas” em seus times e ganhem dinheiro de forma exorbitante, são também
cidadãos comuns, muitos nasceram em famílias pobres, foram alunos de sistemas
educacionais comprometidos e fragilizados. Percebe-se que está diante de todos um enorme desafio, que já é bem enfrentado por
outros países. Não basta gostar de jogar futebol e progredir aí
profissionalmente.
O equilíbrio, a garra e a competência para exercer os
próprios dons e qualidades, no campo de futebol, na universidade, na ciência,
na solidariedade e na simplicidade do cotidiano exigem mais investimentos,
ajustes nas dinâmicas culturais que ambientam o dia a dia de um povo.
Agora, de modo
especial, é hora de reagir, em diferentes frentes de ação, projetos e
respostas. É o momento de abandonar a tendência de idolatrar figuras e combater
as diferenças sociais gritantes, fazer política com outra ciência; investir para
que a juventude possa brilhar na educação, no esporte, na arte e na cultura,
gerando um tecido consistente indispensável para se chegar à condição de nação
campeã.
O sonho está adiado e para torná-lo realidade é preciso reagir,
imediatamente. Apoiando os jovens jogadores para a conquista do terceiro lugar,
com o sentido de reconhecimento, é preciso consolidar o que, politicamente, a
Copa pode significar: uma etapa nova na história do Brasil.
Dom Walmor
Oliveira de Azevedo
Arcebispo
metropolitano de Belo Horizonte